Nos trilhos da corrupção

Zé Maria

Se o PT e o governo Lula entraram para a história ao protagonizarem o que boa parte da imprensa chamou, com boa dose de razão, de “o maior escândalo de corrupção da história”, agora está sendo desmascarado o que, se não é o maior caso de corrupção em volume de recursos desviados, com certeza é um dos mais longos de que se tem notícia. Foram pelo menos 20 anos de fraudes sistemáticas contra o metrô da capital paulista e os trens da região metropolitana realizados em sucessivos governos tucanos.

O escândalo envolvendo os governos do PSDB de São Paulo, de Mário Covas, passando por José Serra até Geraldo Alckmin, traz à tona um megaesquema de fraudes em licitações por um punhado de empresas multinacionais, como a alemã Siemens e a francesa Alstom, a fim de superfaturar obras relacionadas ao transporte público paulista. Um verdadeiro assalto ao dinheiro público por grandes empresas que atuam da mesma forma em inúmeros países.

Diante das denúncias, o governador Geraldo Alckmin, tal como Lula há oito anos, veio a público afirmar que nada sabia. Documentos do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, no entanto, revelados pela revista IstoÉ, mostram que há pelo menos cinco anos o governo paulista vinha sendo alertado das irregularidades que rondava o setor. Mas, pelo jeito, não precisava ser informado disso.

Um email de um alto executivo da Siemens, enviado em 2008, teria revelado como o então governador José Serra sugeriu à empresa alemã que fizesse um acordo com a espanhola CAF a fim de dividirem uma licitação para a entrega de 40 trens à CPTM. A CAF tinha o contrato, mas a empresa alemã também queria tomar parte no botim. Serra teria então sugerido que a Siemens fosse subcontratada pela empresa espanhola para suprir parte do contrato. Por “acaso”, em 2009, a CAF inaugurou uma fábrica totalmente subsidiada, com todas as isenções fiscais imagináveis em Hortolândia, interior de São Paulo. Além disso, a empresa espanhola “doou” meio milhão de reais à campanha do PSDB no ano de 2010.

Não estamos falando de um secretário de governo, o que já seria demasiado grave, mas do próprio governador oferecendo um esquema de fraude a uma empresa. Aliás, alguém é capaz de acreditar que essas empresas conseguiriam roubar tanto, durante tantos anos, sem o conhecimento e a cumplicidade dos que estiveram à frente do governo paulista nesses anos?

Calcula-se que o superfaturamento de 30% nos contratos nesse período tenha gerado um prejuízo de pelo menos R$ 425 milhões. Novas denúncias revelam ainda que o esquema chegou a Brasília, atuando também nos governos de Joaquim Roriz (então no PMDB) e José Roberto Arruda (ex-DEM). Esse teria sido agraciado com um “mensalão” de R$ 700 mil.

O PSDB, acuado, acusa o governo federal de utilizar o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para fins eleitorais e, para contra-atacar, denuncia um esquema de pagamento de propinas na Petrobrás. Os tucanos acabaram de apresentar um pedido no Senado para que o ex-funcionário da estatal José Augusto Rezende Henriques seja ouvido. Reportagem da semanalÉpoca afirma que os contratos internacionais da empresa eram firmados através de pagamento de propina, que ia para o PMDB, sendo que parte teria irrigado a campanha de Dilma em 2010.

Há motivos eleitorais nessa verdadeira enxurrada de denúncias e ataques mútuos? Muito provavelmente, de ambos os lados. O que não invalida nenhuma delas.

No caso de São Paulo, esse escândalo surge apenas dois meses após o início da maior onda de manifestações que esse país já viu, cujo estopim foi justamente o transporte público. E a fúria da população não foi apenas contra o aumento de 20 centavos determinado pelo governador Alckmin e o prefeito Haddad, mas partiu também da situação de verdadeiro caos do transporte urbano. A população sofre diariamente com trens e metrôs superlotados, além de panes cada vez mais frequentes que transformam o dia-a-dia do trabalhador num inferno. Transportado como gado, a dignidade do trabalhador é vilipendiada diariamente. Não é à toa que a juventude e os trabalhadores voltam às ruas neste dia 14 contra os escândalos de corrupção no metrô e a péssima qualidade do transporte público, exigindo o “Fora, Alckmin, corrupto e ditador”.

E, agora, se comprova uma das razões disso. Os recursos que deveriam ir para mais investimentos é canalizado pela corrupção para meia dúzia de grandes empresas multinacionais e aos bolsos dos políticos, no caso, do PSDB. Aplica-se a mesma coisa à Petrobras, uma estatal cada vez mais precarizada e privatizada, e ao governo federal.

 

Corrupção e os partidos

Essas denúncias reafirmam como a corrupção é algo generalizado no capitalismo. A partir do momento que um partido se incorpora ao status quo e passa a defender os interesses dos mais poderosos, recorre ao arsenal de ilícitos e corrupção. O PSDB, que tem no currículo o caso da compra de votos para aprovação da reeleição no governo FHC, é tão ou mais corrupto quanto qualquer outro partido da ordem. Já reparou que nenhum partido ou político foi denunciado por corrupção a favor dos mais pobres? Imaginem a situação insólita que seria o PT comprando votos de parlamentares para aprovar o aumento do salário mínimo. Mas não. Fez isso para, entre outras coisas, aprovar a reforma da Previdência e beneficiar os grandes planos de previdência privada.

Todos os casos de corrupção têm como origem a relação espúria entre o Estado e o capital privado. Uma relação que nasce já no financiamento da campanha eleitoral. Bancos e empreiteiras não são dadas à filantropia ou ao idealismo utópico. Não jogam dinheiro fora, mas fazem investimentos. Uma vez no poder, seus escolhidos devem retribuir o favor, e para isso vale tudo. Desde uma política econômica que privilegie esses bancos e empresas, até medidas mais heterodoxas com resultados, digamos, mais imediatos. É esse pântano que engole praticamente todos os partidos da base aliada do governo e da tradicional oposição de direita.

Aliás, é preciso reconhecer a forma “democrática” com o que o governo tucano trata as empresas. Estamos acostumados a ver fraudes em licitações que beneficiam determinadas empresas mancomunadas com os governos ou políticos de plantão. O PSDB, porém, arrumou um esquema em que todas elas são beneficiadas. O único que sai perdendo é o povo, que paga os impostos e os trabalhadores, para quem sobra um transporte publico de péssima qualidade.

Cabe neste caso, bem como nos outros (mensalão, Petrobras), apurar a fundo todas as denúncias. Mas também medidas concretas. A principal delas é colocar na cadeia e confiscar os bens de todos os responsáveis. Isso vale para os políticos e funcionários públicos, mas tem de valer também para as empresas envolvidas (ou a Siemens não vai ser responsabilizada por nada e ainda vai continuar participando de licitações públicas?).