No ano passado, 2012, na jornada peregrinação da seca (diferentemente da caravana da seca, dos deputados estaduais da Paraíba) tentei mostrar as consequências gerais da seca como mortes de animais, perda da lavoura, desespero dos agricultores, descasos dos governantes etc. Neste ano, lancei uma nova jornada chamada nos caminhos da sede cujo objetivo consiste em mostrar o desespero das vítimas da seca em busca de água e, assim, chamar a atenção dos governantes e da sociedade para essa grave problemática.
Nos caminhos da sede. Eis o grande desafio. Estou visitando diversas comunidades urbanas e rurais, tentando ver de perto a realidade da falta de água e, ao mesmo tempo, ouvir os clamores dos sofridos e desesperados sertanejos. Após a visita, venho para casa e posto nas redes sociais tudo o que vi e registrei- fotos, entrevistas- visando mostrar como vivem esses meus irmãos esmagados pela cruz do sofrimento da falta de água e pão. Afinal, a única coisa que posso fazer, como cidadão e cristão, é mostrar a realidade cruciante do sertão e dá meu humilde grito profético.
Tenho presenciado, nestes dois últimos anos, cenas dramáticas, chocantes, desesperadoras, tristes e revoltantes. Vi cenário de morte. Vi agricultores e criadores com olhos lacrimejados e fala embargada. Vi-os muitas vezes tratados com desdém, com humilhação. Cenas revoltantes. Confesso que muitas vezes fiquei chocado, emocionado e revoltado, pois o descaso governamental só aumentou e continua aumentando a dor e o desespero dos valentes e guerreiros sertanejos.
Na jornada nos caminhos da sede, o que mais sinto é o desespero louco dos sertanejos em busca de água. O grito ensurdecedor dessa gente- homens, mulheres e crianças-por água chega aos céus. Aja coração para aguentar tanto clamor. Não nos esqueçamos de que, apesar dos programas sociais do governo federal, muitos clamam por comida.
Postarei, de forma literal, tudo que tenho ouvido dos sertanejos neste novo desafio batizado de nos caminhos da sede. Vejam como é o clamor pungente de milhares de pessoas sem água.
A FALA DAS VÍTIMAS DA SEDE
-Padre Djacy, vou embora deste lugar. Aqui só tem sede. Não vou matar minha família de sede.
-Seu padre, isso não é vida. Aqui neste sertão está tudo se acabando com esta seca cruel, nunca vi isso na minha vida.
-Padre, além de faltar comida, falta água. A gente não tem água nem pra tomar banho. A gente sofre muito sem água.
-Está secando tudo, tudo, tudo. Tudo seca. Poço seca, açude seca. Só deus para ter piedade de nós.
-É mais fácil a gente achar dinheiro do que achar água. Tá difícil mesmo. Eita Deus do céu.
-Nem água pra o gado nem prá o povo. Eita situação feia ,meu Deus!
-Tenho 60 anos ,nunca vi o açude do meu sítio seco. Estou mesmo é assombrado. Temos que rezar muito pra ver se Deus olha pra nós.
-Meu amigo, eu tenho 83 anos, e digo para você que já vi muita seca braba, mas como esta de 2012 e 2013, nunca vi .Uma coisa que tou sentindo é que o calor deste ano fez foi aumentar .Pelo que vejo vai morrer todo mundo torrado, assado.
-Deus é grande. Vamos rezar. Eu confio Nele. Ele vai mandar chuva. Eu creio em Deus. Penso que ele olha pra nós.
-Essa água do São Francisco não chega nunca. Eita coisa demorada. Se essa água viesse seria bom pra nós, tenho certeza.
-Neste País só tem ladrão .Não acredito em ninguém, seu Padre.
-Tem gente que tá dizendo que vai embora do sertão.
-Grande é Deus. Ele vai mandar chuva.
-Água tá mais difícil que dinheiro.
-Hoje, Padre Djacy, o povo não tem medo de morrer de fome, tem medo de morrer é de sede.
-Sei não, do jeito que vai ,vamos é morrer. O negocio prá nós tá feio, feio mesmo. É desespero mesmo. Só Deus prá olhar prá nós, porque os homens aqui na terra, não olham prá nós. Minha nossa Senhora, é sofrimento que não acaba mais.
-Padre, eu tenho 90 anos. Já tenho muitos janeiros. Moro perto do açude de Coremas. Vou dizer prá o senhor o seguinte: eu moro bem ao lado do açude de coremas e estou vendo uma coisa, Padre, o açude de coremas tá secando mesmo. Ave Maria, nunca viu uma coisa igual. Um açude tão grande, mais tá secando, tá ficando seco, muito seco, seco de verdade. Eu moro lá’, —Padre, eu vejo o açude secando. Me dá licença ,padre, tenho que sair para pegar a camioneta. Fique com Deus e Nossa Senhora.
-Eu e essa senhora, Padre, a gente vendia peixe na feira de piancó. A gente lá no sítio pescava e vinha pra rua para vender os peixinhos. Agora não tem mais, nada de peixe, porque o açudinho secou e não tem mais peixe. Agente ganhava um dinheirinho vendendo peixe, agora, kkkkkk ,nem peixe nem dinheiro.
-Nós vendemos leite. Temos um pequeno criatório, mais é difícil demais. Além da falta de água, temos o abandono por parte do governo. O governo não olha prá nós, pequenos produtores. O governo tirou até a CONAB que ficava em Itaporanga, aumentando ainda mais o nosso sofrimento. Agora agente tem que ir até a cidade de patos. Essa cidade fica longe pra nós. Pra nós que somos pobres, vem mesmo é sofrimento, abandono. Ninguém se importa com a gente.
– Por que o governo federal não faz logo essa transposição? Se a transposição não sair, vai morrer muita gente neste sertão torrado. Olhe o que estou dizendo. Vai ficar preta a situação. Vai ser um Deus nos acuda.
-Padre, fale com os políticos para incluir o rio piancó nesse projeto de transposição. Vamos ver se a gente bebe água do rio São Francisco. Pelo o amor de Deus.
-Vou dizer uma coisa: enquanto a gente morre de sede, se acaba com a sede, esses políticos da capital vivem tomando banho de champanhe,vivem passeando,vivem no avião andando para outros país,vivem comendo do bom e do melhor, e a gente, passando fome e sede. Só Deus mesmo prá olhar prá gente. Minha nossa Senhora. O negócio pra o lado do pobre tá feio. Não vai escapar ninguém. Sei não, só Deus mesmo.
-A nossa sorte é o jumento. O bichinho passa o dia todo botando água. Trabalha muito e come pouco. Nem comida pro bichinho tem. Fazer o que né?
-A gente bebe porque tem os carros pipa. Essa água do carro pipa é só prá beber e cozinhar. Ainda bem que o governo mandou essa aguinha prá nós. Se não fosse, a gente estava era doido, morrendo mesmo.
-Tá difícil. Só digo uma coisa: se deus não botar a mão no meio, eu não sei o que vai acontecer com a gente que mora neste sertão seco, torrado. Os políticos não olham prá nós, eles não estão nem ai com os pobres. Tá difícil. A coisa tá difícil
-Antes a gente não ia prá rua pensando que lá não tinha água, hoje a gente corre do sítio porque não tem água. Mudou agora. No sítio a gente morre de medo de morrer de sede. Então, o negócio é correr pra cidade.
-Padre, nunca vi uma seca desta, seca de fazer medo. O senhor pensa que vem algum deputado olhar pra nós? Vem nada. Eles não tão nem ai com nós que vivemos neste sofrimento danado. Eles só querem saber do nosso voto.
-Se não chover, vou prá São Paulo com minha família. Não deixar meus filhos passar sede não.
-Padre, faz quinze dias que não chega o pingo d’água na torneira lá de casa. Nada de água. Só chega a conta pra gente pagar. Isso chega. Ai se a gente não pagar. Sei não, vida de pobre é assim mesmo. O senhor concorda?
-Se não chegar água, nós vamos interditar a BR. vamos botar fogo nos pneus. O governo só olha prá nós assim, quando a gente interdita a BR.. Tem que ser assim mesmo. Vamos interditar. Pôde vir polícia, doutor, a gente não tá nem aí. Venha o que vier…
-Ainda bem que a gente tem o bolsa família, se não fosse, vou dizer, a bagaceira ia ser feia. Imagine faltando água pra beber e comida prá comer. Que seria de nós. Hein?
-Eita negócio brabo. A coisa tá pegando fogo. Nunca vi. Parece que o mundo vai pegar é fogo. Meu Jesus. Vai o mundo velho desta vez vai, ou vai ou racha.Kkkkkkkkkkkkkkkkkk.
-Se não chover daqui prá dezembro, vai morrer gado e gente.
-Padre, na festa de S. Pedro de Itaporaga, eu me encontrei com o atual governador e pedi a ele um poço. Sabe o que ele me disse, Padre? Ele disse que o Estado não tinha condição de fazer o poço. Olha, Padre, tinha mais de vinte pessoas na hora que pedi o poço ao governador. Essas pessoas são testemunhas do que ele falou.
-Vou vender minha terra, porque lá não tem mais água. Adianta terra sem água? Vou vender tudo, não vou morrer de sede não.
-Sem água a gente não tem nada.
-A sorte é o carro pipa e alguns poços. A água do poço é salgada.
-Faz quinze dias que andei no açude da cachoeira, e fiquei assombrado com a pouca quantidade
-Hoje é um castigo grande. Eita castigo do céu.
-Tiraram a CONAB de Itaporanga. Agora fez foi piorar mesmo. Pobre agora vai gemer feito doido.
-A situação é feia. Nós estamos mortos.
-Onde a gente mora, seu vigário, não vem nem água nem comida, nada de bom vem pra nós. Só vem politico pedir nossos votos. Isso, sim, vem. E vem de monte. Parece um bando de urubus em cima de carniça. Todo dia tem político na nossa porta. Eles nunca vêm, mas na eleição, não falta.
Nas minhas andanças por este sertão em brasa, onde o chão é esturricado e a água desaparece numa velocidade incrível, deixando mihares de seres humanos com sede, nada falo, apenas registro o cenário macabro da sede e ouço, com ouvidos de cristão, o grito dos meus queridos conterrâneos. E esse grito é ensurdecedor, desesperador, tanto quanto o grito do profeta das lamentações:
“Ó vós todos, que passais pelo o caminho, olhai e julgai se existe dor igual à dor
que me atormenta” (lam. 1,12)