Principal responsável pelo golpe parlamentar de 2016, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) bancou as campanhas de mais de 100 deputados. Mais: o interino Michel Temer conhece parte da trama.
Por isso mesmo, há tanto receio no governo provisório de que Cunha decida aderir a uma delação premiada para abrandar sua pena, de sua esposa Cláudia Cruz e de sua filha Danielle Dytz.
Quem afirma é o colunista Ricardo Noblat, do Globo. Confira abaixo:
Um governo refém do medo
Ricardo Noblat
Quem tem medo de Eduardo Cunha, a ser cassado em breve por falta de decoro? O governo de Michel Temer tem. E da Justiça Eleitoral? Também. E da Lava-Jato? Ele, mas não só.
E medo de que o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff acabe derrotado no Senado? O governo tem um pouco, afinal nunca se sabe o que poderá acontecer até lá. Definitivamente, este não é um governo para cardíacos.
Por medo de que Cunha diga o que não deve caso se julgue abandonado, o governo acionou sua base de apoio na Câmara dos Deputados e o julgamento dele ficou para meados de setembro próximo, depois do julgamento de Dilma pelo Senado.
Se é que Cunha será mesmo julgado em setembro. Pois de repente, adia-se o julgamento a qualquer pretexto ou a nenhum. Quem sabe não é transferido para início de 2017?
Cunha acumula segredos que poderão pôr o governo a pique, além de provocar um terremoto na Câmara. Ali, mais de uma centena de deputados deve favores milionários a ele. Alguns devem a própria eleição.
Temer conhece parte desses segredos. E, por isso, receia os estragos que sua revelação causaria. Dificilmente cairá se Cunha abrir o bico. Mas em torno dele, muitos cairão ao primeiro sopro. O desgaste será grande.
O pior de tudo é que a manobra para salvar Cunha da cassação não garante seu silêncio. Mesmo os que advogam a causa do ex-presidente da Câmara, o maior algoz de Dilma, admitem que ele não escapará do vendaval da Lava-Jato.
Há farto material recolhido capaz de condená-lo a muitos anos de cadeia. E há muita disposição da Justiça em Curitiba e em Brasília para punir Cunha exemplarmente.
O que lhe restaria? Uma saída de cena à moda de Getúlio Vargas, mas ele não tem o perfil para tal. Ou a delação, como tantos fizeram até aqui.
Ao se dispor a contar o que sabe, ou parte do que sabe sobre a corrupção na política, Cunha poderá negociar uma pena mais branda. E talvez uma prisão no conforto do seu apartamento no Rio. De resto, livraria a mulher e a filha de serem condenadas. Ele está pensando a respeito.
Por medo da Justiça Eleitoral, o governo pensa no que fazer para evitar que ela julgue tão cedo as ações que pedem a cassação da chapa Dilma/Temer, acusada de um monte de irregularidades – entre eles, o uso de dinheiro de caixa dois.
De Lula ao mais desconhecido dos vereadores, os políticos tentam vender a ideia de que caixa dois é uma infração corriqueira e insignificante, sequer deve ser tratada como crime.
Corriqueira, é sim. Mas também é crime. E não é insignificante. Caixa dois é dinheiro tirado da contabilidade paralela de empresas para financiar campanhas. Sua origem é ilegal, portanto.
É dinheiro que políticos recebem clandestinamente e não declaram à Justiça. Aqueles contemplados com tal ajuda largam com vantagem na frente daqueles que não a têm. Ao fim e ao cabo, subverte-se a vontade popular.
O governo apostava no desdobramento das ações ajuizadas contra a chapa Dilma/Temer, de modo a que apenas Dilma fosse punida, Temer não. Mas já sabe que isso será impossível.
Para complicar ainda mais, novos fatos apurados pela Lava-Jato deverão fortalecer as ações ou dar ensejo a outras. Processo contra um presidente da República fica suspenso até o fim do seu mandato. O prejuízo político, não. Estende-se no tempo.
Por medo de delações que a Lava-Jato ainda colhe, o governo…. Bem, o governo não pode fazer grande coisa em relação a isso. Só pode sentir medo.
Créditos: BRASIL 247