A aprovação de 85% da população à reforma política, conforme pesquisa do Ibope, é importante sinal de percepção coletiva do anacronismo do sistema vigente, mas deve ser vista com alguma relativização e ponderação. Em primeiro lugar, porque se a pesquisa incluísse a pergunta sobre a reforma política como solução de todos os males, provavelmente apuraria que grande parte das pessoas a considera a panacéia para os problemas brasileiros. Não são poucos os que percebem a reforma política como antídoto à corrupção e que dela têm uma visão superficial.
O que certamente não é realista. A carência por mudanças no campo político, principalmente comportamentais, associada à insatisfação já manifestada nas ruas pela qualidade e ausência de serviços devidos pelo Estado, responde pela ansiedade de soluções só consistentes em longo prazo. E aí reside o grande nó dos governantes alcançados pelas reivindicações: a impossibilidade de atendê-las imediatamente e a consequente reação discursiva e propositiva, sem efeito executivo.
Isso explica também o surto legislativo do poder Executivo, alvo mais visível dos protestos, surpreendido por uma desaprovação que julgava restrita à oposição, mas que registrou, entre as primeiras conclusões, o fim do monopólio das ruas pelo PT e a avaliação de que por tratar-se de uma demanda reprimida de uma década, em que a infraestrutura do país se deteriorou sem provocar nenhuma preocupação ao governo, impôs a necessidade política de uma resposta rápida.
A primeira tentativa, de Constituinte, durou menos que 24 horas, pela rejeição das forças políticas representadas no Congresso e pela absoluta indiferença popular à proposta. A segunda, um remendo pior à primeira, foi a do plebiscito para dar aval popular à reforma política, com efeitos já para 2014. E foi esse prazo que liderou a reação contrária à ideia, além da impropriedade de se desenhar uma reforma a partir da compreensão popular sobre os aspectos técnicos que envolvem a questão, abdicando o Legislativo de sua função essencial, por omissão, corporativismo e acomodação.
Esses fatores permanecem como obstáculos ao andamento do debate sobre a reforma no ritmo desejado pelo governo e ditado pela ansiedade popular – esta, baseada na suposição de que a partir de sua execução todos os problemas estarão resolvidos. A pressa resolve o problema político do governo nesse momento, reduzindo a temperatura e ganhando tempo para a travessia até 2014, mas não atende ao clamor por melhores resultados de gestão dos serviços públicos. E nem melhora a economia, indispensável para a reversão dos índices de aprovação negativos.
A pesquisa indica que a percepção da população sobre a reforma está centrada principalmente em aspectos mais visíveis do processo político, como o financiamento de campanhas, com mais foco no caixa dois, também baseada numa premissa parcialmente falsa – a de que a mudança nesse ponto acabará com a corrupção eleitoral, próspera na proporção da impunidade. Nesse caso, a minissérie em que se transformou o julgamento do mensalão foi uma inflexão na tolerância histórica com o erro e contribuiu para o desejável aprendizado sobre o uso político da máquina pública e o despertar para as cobranças.
A pesquisa é importante para mostrar à classe política que chegou ao limite o expediente da protelação indefinida de mudanças legislativas e comportamentais, como também demonstra a iniciativa do projeto popular que pune a corrupção eleitoral. Já fora assim com a lei da ficha limpa, que impôs de fora para dentro regras para candidaturas, sem que gerasse essa consciência no Congresso Nacional, que deveria “puxar a fila”, estendendo o clima de mudanças às assembleias estaduais e câmaras municipais.
A essa altura, o Congresso já não é mais o dono exclusivo do tempo e dos conteúdos da reforma, mas ainda pode ter a iniciativa do processo, dividindo o debate com segmentos representativos da sociedade, mas conduzindo o processo político. Já não detém todas as ações do empreendimento, mas tem a chance de liderar as mudanças, assumindo sua função representativa, cuja essência reside em dar forma operacional e legal às aspirações da sociedade.
Precisa levar a sério as reivindicações ao invés de assimilá-las como movimento passageiro, neutralizavel com medidas de ocasião assentadas na convicção de que a memória do eleitor mantém ainda a consistência gelatinosa de outros tempos.
Na era da comunicação em tempo real e das redes que informam, se informam, e debatem diariamente, o tempo da política de promessas acabou. Mais do que nunca, vale a máxima de que em política não existe vácuo: alguém o ocupa. Nesse momento, grupos organizados da sociedade, sem mandato popular, ocupam o espaço deixado pelo Congresso.