Não tenho mesmo o que fazer’

Rubens Nóbrega

O escrito após os asteriscos, sob o título aí de cima, não é meu. É de Paulo Vinicius, cantor, compositor, cidadão de primeira. A publicação de obra alheia antecipa-me as férias e poupa trabalho desnecessário, porque não conseguiria fazer melhor. Além do mais, o texto de PV merece ser publicado e repicado por dois bons motivos: primeiro, por sua qualidade; segundo, pelo exemplo que traz. E nada melhor do que começar o Ano Novo com um exemplo do bem, da boa cidadania que todos nós deveríamos praticar pelo menos vez em quando. Feliz 2013 pra todos e todas.

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Veja só, minha gente, como diz meu amigo Jesssier Quirino, em um dos seus hilariantes poemas matutos, “nesse mundo tem gente pra tudo e ainda sobra um pra tocar gaita”.

Começo de noite da última sexta-feira (28/12), estava eu entre amigos nas proximidades do meu prédio, na Av. Cabo Branco, Capital, mais precisamente no Quiosque Caminho de Casa, em frente ao restaurante Sapore D`Itália, quando, mais uma vez, aconteceu. A vaga ex-clu-si-va para deficientes físicos foi, diante de nossos olhos, ocupada por um Fiat Fiesta, de cor vinho, do qual desceu casal jovem, aparência de 25 anos, casal bonito, sarado, saudável, que em seguida retirou da mala alguns apetrechos de ginástica, cadeiras de praia, e acompanhado por pequeno grupo de alunos, suponho eu, seguiu em direção à beira mar para a louvável prática de exercícios físicos.

Muito bem. Diz a famosa citação latina do poeta romano Juvenal: “Mens sana in corpore sano” (mente sã, corpo são). Obviamente desconfiei que de sanidade a mente daquele jovem casal não me pareceu lá muito bem dotada, pelo menos no primeiro momento. E a certeza veio logo depois. Levantei-me discretamente e me dirigi a eles com a educação que mamãe me deu e travamos o seguinte diálogo:

– Boa noite, vocês talvez não tenham visto, mas há uma marca gigante em tinta azul naquela vaga que vocês acabaram de estacionar, avisando que é exclusiva para deficientes.

– Ah, a gente viu sim.

– E assim mesmo vocês vão deixar o carro ali?

– É, vamos sim, não tem outro lugar aqui perto pra a gente parar. O que você quer que a gente faça? Que entre com o carro na areia da praia?

– Bem, eu esperava que vocês tivessem consciência, mas…

– E você é guarda, é? Vai multar a gente?

– Eu não, mas eles vão, porque eu vou fazer questão de chamá-los.

– E você não tem o que fazer não? Pior é você que vai ficar aí bebendo e depois vai sair dirigindo.

E saíram me dando a famosa rabiçaca. Mal sabia a deseducada senhorita que a minha casa fica a poucos metros do local onde estávamos e, portanto, não preciso de carro para ir do meu prédio até lá e vice-versa.
Semob: chamou, chegou

Bem, mas não tendo mesmo eu o que fazer, cuidei de cumprir minha promessa e liguei para a Semob, o órgão municipal de trânsito, no que fui prontamente e bem atendido pelo Sr. Cristiano, o qual prometeu enviar uma viatura. Demorou cerca de 40 minutos, mas chegou.

Eram dois distintos agentes na viatura de número 129 da Semob. Ao perceber a aproximação deles, fui terminar meu papel de dedo-duro e em poucos minutos de conversa eles me explicaram que pouco poderiam fazer, porque, embora haja a sinalização horizontal (pintura em azul no chão), a Prefeitura ainda não colocou a sinalização vertical (placa com haste na calçada). Por tal razão eles não poderiam autuar os jovens infratores. No máximo poderiam fazer o que eu já tinha feito, isto é, adverti-los e pedir para que eles retirassem o veículo daquela vaga, já que se tratava de vaga exclusiva para deficientes. E só.

Confesso que não fiquei muito convencido, mas ao menos fiquei parcialmente realizado quando vi o jovem e deseducado casal atendendo aos bons conselhos dos agentes.
Palmatória do mundo, não

Não sou nem quero ser a palmatória do mundo, não quero posar de politicamente correto nem tenho vocação para membro do Ministério Público, muito menos sofro de síndrome de Joaquim Barbosa. Não sei bem o que me moveu a ter essa atitude. Talvez tenha sido pelo fato de ter uma filha enteada com necessidades especiais, talvez porque tenho amigos queridos que têm problemas de locomoção, mas certamente agi assim por achar que fiz a coisa certa. Outras vezes já tinha feito e deu certo. A pessoa reconheceu e, educadamente, pediu até desculpas e retirou seu veículo para outro local. Portanto, enquanto “eu não tiver o que fazer”, continuarei fazendo assim. Quem sabe um dia não seja mais necessário.

Resumo da ópera: estamos ainda muito distantes de merecer o título de humanos civilizados. De um lado os cidadãos inconscientes; do outro, o poder público incompetente e inoperante. Mas encerro endereçando apelo ao nosso novo e promissor Prefeito. Bote isso pra funcionar, Luciano. O povo quer e você pode.
(Paulo Vinicius)