Não merecemos isto!

Nonato Guedes

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Ok, eles venceram. Batatas fritas. O Brasil deve se orgulhar de contar com Renan Calheiros na presidência do Senado e Henrique Eduardo Alves na presidência da Câmara Federal? Sinceramente, não deve. E digo isto com uma ponta de frustração. A sociedade como um todo, aliás, foi ignorada nos seus apelos para que prevalecesse a ética na escolha dos novos dirigentes do Congresso, coincidentemente filiados ao PMDB. Renan e Henrique posaram como moralistas ou como santos, enquanto despejaram diatribes contra a imprensa, o Judiciário, o Executivo. Até quem saiu do cargo, como Marco Maia, saiu atirando. O ex-presidente disse que a maior fonte de expressão da sociedade não está nos jornais e, sim, representada pelos parlamentares. Estamos “ferrados”.

Que fique claro, desde logo, que a representação popular legítima é atribuição do Congresso. Este é um lado da moeda. O reverso está no fato de que, infelizmente, os ditos representantes do povo utilizam-se dos mandatos para debochar dos eleitores que os colocaram lá e tentar atribuir os males nacionais aos jornalistas, como se fossem eles que fizessem barganhas, negociatas, ostentassem prontuários ao invés de currículos, fossem pegos com dólares em cuecas ou meias, produzissem mensalinhos, mensalões e outros quitutes de favorecimento ilícito. A imprensa não quer tomar o poder de ninguém. Não quer substituir a qualquer poder ou concorrer com quem quer que seja. Jornalistas brigam entre si para conseguir matérias de repercussão, atrair leitores e garantir seus empregos nas empresas onde têm carteira assinada. Devemos fechar os olhos às maracutaias, aos malfeitos a que aludiu certa vez a presidente Dilma Rousseff?

Devemos ser omissos diante do paiol de escândalos, que ainda desafiam a própria Justiça, apesar dos avanços que esta tem demonstrado ultimamente, como no caso do mensalão? Já está passando dos limites essa conversa mole de orquestração midiática, de exploração sensacionalista, de criação de factóides por jornalistas ou de publicação de matérias requentadas. Requentadas e daninhas são as práticas que estão enquistadas tanto no Senado como na Câmara, como denunciam candidatos ou candidatas alternativas a postos de comando que tentam pelo menos protestar já que, sabidamente, não conseguem convencer seus pares pelo voto secreto. Renan e Henrique são moralistas de araque.

Eles têm plena consciência do que fizeram, dos expedientes de dilapidação do combalido erário. Não se preocupam porque estão protegidos pela impunidade, também travestida de imunidade, esta última uma prerrogativa que só deveria ser conferida a homens de bem, honestos, de conduta ilibada, que tivessem compromisso com o interesse público, não com a vantagem pessoal, o enriquecimento ilícito, as facilidades que o “pudê” proporciona. Ainda agora, a Procuradoria da Câmara quer um aumento de 20% de verbas e mais mordomias para os parlamentares. De há muito que mandato político virou negócio no país, moeda de troca para auferir privilégios.

Quando assinalou 50 anos de jornalismo político, Villas-Bôas Corrêa lançou “Conversa com a Memória”, resgatando fatos que marcaram sua trajetória fascinante. E fez uma constatação: nunca houve Congresso como o que ele freqüentou, da iniciação profissional em 1948 até a mudança da capital federal para o ermo de Brasília, em 21 de abril de 1960. “Nem haverá outro igual”, adiantou, como quem estava cravando uma sentença definitiva, inescapável. A julgar pelo desfile de mediocridades a que assistimos e pelo rosário de falcatruas, não há comparação possível com os tempos do Congresso no Palácio Tiradentes ou no Monroe, no Rio de Janeiro, cujos balcões eram repletos de gente do povo, ávida por respirar democracia no seu sentido mais axiomático.

Carlos Castello Branco, na última visita que fez a Ascendino Leite em João Pessoa, na praia do Cabo Branco, para se despedir, como previu sem qualquer ênfase ou dramaticidade, antes de morrer em primeiro de julho de 1933, não resistiu aos encantos da cidade e, no embalo das lembranças, arredondou a frase exata: “Ascendino, nós fizemos História”. Era a pura verdade. História que orgulhou gerações de patriotas, de idealistas. E um punhado de homens tocados pelo dever cívico de servir à Pátria. De respeitar as instituições e melhorar a vida da sociedade. Com Renan e Henrique no comando, só nos resta rezar!