MPF ingressa com ação na Justiça e pede anulação de contrato entre Estado e Cruz Vermelha

O Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba ajuizou, na terça-feira (10), ação com pedido de liminar, para que a Justiça anule o contrato de gestão de administração do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (Hospital de Trauma), localizado na capital. O contrato, no valor de R$ 44.075.121,41, foi celebrado em 2011 entre a Secretaria de Estado da Saúde (SES/PB) e a Cruz Vermelha Brasileira (CVB), filial do Rio Grande do Sul. O MPF busca também impedir novos contratos de terceirização na gestão da saúde no Estado.

Entenda o caso

Ilicitudes do Programa de Gestão Pactuada

A ação é contra a União, o estado da Paraíba e a CVB/RS e fundamenta-se ainda em irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em auditoria realizada na Secretaria de Saúde da Paraíba, entre 17 de outubro de 2011 e 14 de novembro de 2011. O TCU constatou inúmeras irregularidades e atos de improbidade administrativa, como ausência de comprovação de experiência técnica da entidade contratada, ausência de justificativa para a escolha da entidade CVB/RS, bem como falta de justificativa de preço contratado, além de fundamentação indevida para contratação da entidade com dispensa de licitação.

Detectou-se que a qualificação e confirmação da CVB/RS como Organização Social (OS) foi feita sem que fossem preenchidos os requisitos previstos na Lei Estadual nº 9.454/201, que instituiu o Programa de Gestão Pactuada da Saúde na Paraíba. O contrato de gestão, por sua vez, foi celebrado sem definição de metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como sem previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade.

Houve ainda a realização de repasses financeiros à contratada sem vinculação quanto ao cumprimento de metas pactuadas no contrato de gestão, aquisição de bens e serviços sem prévia licitação e contratação de pessoal para exercer atividade-fim do hospital sem realização de concurso público.

Lei inconstitucional

O Ministério Público Federal pede que a Justiça declare a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 9.454/2011, tendo em vista que o estado invadiu a competência privativa da União de legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. O MPF frisa que a lei estadual tenta legalizar a dispensa de licitação no processo de terceirização dos próprios serviços públicos de saúde, como ocorreu com a seleção da CVB/RS para gerenciar o Hospital do Trauma, na qual houve contratação direta.

Para o Ministério Público Federal, a inconstitucionalidade, ilegalidade e a lesividade do Programa de Gestão Pactuada promovido pelo estado da Paraíba já justificaria a concessão da liminar. “A saúde é, ao lado da educação e da segurança, o campo onde a atuação do Estado constitui dever absolutamente indeclinável. O Estado tem que garantir a assistência universal”, enfatiza o MPF.

Privatização da saúde

O Ministério Público argumenta que o programa, da forma como será implementado, transferirá para a iniciativa privada, na prática, a gestão das unidades hospitalares – prédios, móveis, equipamentos, a direção do corpo funcional dos hospitais públicos, e, especialmente, a responsabilidade pela movimentação de recursos federais – sem previsão do devido processo de licitação, em um claro ato de lesividade ao patrimônio público. “Não há que se falar sequer em gestão compartilhada, pois o que existe é uma verdadeira terceirização do serviço público, uma maquiagem que descamba para a privatização da saúde”.

Argumenta-se na ação que, além do governo da Paraíba revelar claramente que pretende que o SUS no estado seja gerido e prestado pelas organizações sociais, a União, com sua indiferença, contribui para esta prática. “Ora, essa forma mascarada de privatização – que tem sido combatida em âmbito nacional pelo MPF, por meio do Grupo de Trabalho da Saúde da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – é feita por meio de repasse de fundo público federal para fundo público estadual, que repassa para o setor privado”.

O Ministério Público ainda ressalta que a continuidade dos efeitos do contrato de gestão impugnado trará prejuízos enormes aos cofres públicos, diante da ausência de controle dos atos praticados pelos dirigentes da unidade hospitalar. A privatização não só irregular do ponto de vista legal, mas altamente lesiva aos cofres públicos. O contrato com a Cruz Vermelha para gestão do Hospital de Trauma foi renovado no mesmo valor daquele pactuado em 2011.

Novas terceirizações

O MPF alerta para a intenção do governo estadual de ampliar o programa de gestão pactuada dos serviços públicos de saúde na Paraíba pois, desde a publicação da medida provisória, já foram qualificadas quatro organizações sociais para gerir e administrar os serviços de saúde estadual: Cruz Vermelha, Pró Saúde, Instituto Social Fibra e a AçãoMedVida. Duas estão exercendo a gerência da assistência à saúde pública, o Instituto Social Fibra, à frente da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Guarabira, e a Cruz Vermelha, que atua no Hospital do Trauma.

A ação cita ofício no qual o secretário estadual da saúde ressalta que “o modelo de gestão pactuada pode ser expandido para os demais hospitais do Estado, se a medida provisória for aprovada pela Assembleia Legislativa”. Em 6 de janeiro de 2012, em matéria jornalística, o secretário informou que “a intenção do governo do estado é expandir o processo de pactuação para toda a Paraíba, principalmente para os hospitais de grande porte e os 12 regionais”.

Mais pedidos

Em caráter liminar, o MPF pede também que a Justiça determine ao estado que reassuma a prestação integral dos serviços públicos de saúde no Hospital de Emergência e Trauma, sendo anulado o contrato existente e ainda impedido de celebrar novas terceirizações, para o referido hospital ou qualquer outra unidade de saúde. Caso o estado descumpra a decisão, o MPF pede a suspensão de todos os repasses do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Estadual de Saúde, ficando os recursos bloqueados em conta à disposição do Juízo, até que sejam adotadas as medidas previstas na ação, tudo sob pena de multas e bloqueio de recursos federais, no caso de descumprimento de qualquer das medidas determinadas.

Pedidos definitivos

Além da declaração da inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 9.454/2011, no que permite a terceirização de serviços públicos, o MPF pede que a Justiça impeça o governo estadual de implementar o Programa de Gestão Pactuada nos moldes previstos pela referida lei, sob pena de suspensão do repasse de verbas federais do SUS a Paraíba.

O Ministério Público também pede que a Justiça determine à União que não faça repasses ao Fundo Estadual de Saúde, enquanto não implementadas pelo estado as medidas postuladas na ação, além de fiscalizar os recursos já repassados a fim de que não sejam aplicados na terceirização de serviços de saúde, bem como apure o prejuízo causado por todas as irregularidades na administração terceirizada do Hospital do Trauma, adotando as medidas administrativas e judiciais cabíveis para restituição do Fundo Nacional de Saúde dos valores desviados, tanto por parte do estado da Paraíba quanto pela Cruz Vermelha Brasileira/RS.

Pede-se ainda que a CVB/RS seja condenada a restituir ao Fundo Estadual de Saúde (e Fundo Federal de Saúde) todos os valores recebidos por força do contrato ilegal, com devidos os acréscimos legais.

Por fim, pede-se a condenação das partes rés ao pagamento de valor não inferior a R$ 1.500.000,00 a título de dano moral coletivo, valor este que deve ser revertido à população afetada, sendo aplicado integralmente em melhorias no Hospital do Trauma ou revertidos ao Fundo Federal de Defesa dos Interesses Difusos.