Polêmicas

Mortos sem pedigree - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE S. PAULO

Se ninguém dá bola quando bandidos matam pais de família, por que haveria indignação quando presos resolvem decapitar seus pares no Maranhão, onde José Sarney é a fé, a lei e o rei? Que se virem! As trevas maranhenses são apenas um sintoma de um desastre humanitário silencioso.

Em novembro, veio a público o Anuário Brasileiro de Segurança Pública com os dados referentes a 2012. Os “crimes violentos letais intencionais” (CVLI) somaram 50.108, contra 46.177 em 2011. A taxa saltou de 24 para 25,8 mortos por 100 mil habitantes. Na Alemanha, é de 0,8. No Chile, 3,2. Os “CVLI” incluem homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Nota: esses são números oficiais. A verdade deve ser mais sangrenta.


Segundo a ONU, na América Latina e Caribe, com população estimada em 600 milhões, são assassinadas 100 mil pessoas por ano. Com pouco menos de um terço dos habitantes, o Brasil responde por mais da metade dos cadáveres. O governo federal, o PT, o PMDB, o PSDB e o PSB silenciaram. Esse é um país real demais para produtivistas, administrativistas e nefelibatas. A campanha eleitoral já está aí. Situação e oposição engrolarão irrelevâncias sobre o tema. Prometerão mais escolas e mais esmolas. Presídios não!

Algumas dezenas de black blocs mobilizaram o ministro da Justiça, os respectivos secretários de Segurança de São Paulo e Rio e representantes da OAB, do CNJ e do Ministério Público. Rodrigo Janot, procurador-geral da República, quer até um fórum de conciliação para juntar policiais e manifestantes. Sobre a carnificina de todos os dias, nada! Quem liga para cadáveres “pobres de tão pretos e pretos de tão pobres”, como cantavam aqueles? No país em que os aristocratas são, assim, “meio de esquerda”, segurança pública é assunto da “direita que rosna”, certo? Os 400 e poucos mortos da ditadura mobilizam a máquina do Estado e a imprensa. É justo. Os 50 mil a cada ano só produzem silêncio. Dentro e fora dos presídios, são cadáveres sem pedigree.

E por que esse silêncio? É que os fatos sepultaram as teses “progressistas” sobre a violência. A falácia de que a pobreza induz o crime é preconceito de classe fantasiado de generosidade humanista. A “intelligentsia” acha que pobre é incapaz de fazer escolhas morais sem o concurso de sua mística redentora. Diminuiu a desigualdade nos últimos anos, e a criminalidade explodiu. O crescimento econômico do Nordeste foi superior ao do Brasil, e a violência assumiu dimensões estupefacientes.

Os Estados da região estão entre os que mais matam por 100 mil habitantes: Alagoas: 61,8; Ceará: 42,5; Bahia: 40,7, para citar alguns. Comparem: a taxa de “CVLI” de São Paulo, a segunda menor do país, é de 12,4 (descarta-se a primeira porque inconfiável). Se a nacional correspondesse à paulista, salvar-se-iam por ano 26.027 vidas.

Com 22% da população, São Paulo concentra 36% (195.695) dos presos do país (549.786), ou 633,1 por 100 mil. A taxa de “CVLI” do Rio é quase o dobro (24,5) da paulista, mas a de presos é inferior à metade (281,5). A Bahia tem a maior desproporção entre mortos por 100 mil e (40,7) e encarcerados: 134. Estudo quantitativo do Ipea evidencia que “prender mais bandidos e colocar mais policiais na rua são políticas públicas que funcionam na redução da taxa de homicídios”.

Isso afronta a estupidez politicamente correta e cruel. Em 2013, o governo federal investiu em presídios 34,2% menos do que no ano anterior –caiu de R$ 361,9 milhões para R$ 238 milhões. Para mais mortos, menos investimento. Os progressistas meio de esquerda são eles. Este colunista é só um reacionário da aritmética. Eles fazem Pedrinhas. Alguém tem de dar as pedradas.