Bruno Paes Manso
E se em vez de metas para a inflação, os candidatos se comprometessem com a queda de homicídios?
1) Candidato (a), caso eleito (a), o (a) senhor(a) se compromete a liderar um pacto nacional que induza à redução dos homicídios no País?
2) O (A) senhor (a) assume a responsabilidade de prestar contas sobre as taxas anuais de homicídios no Brasil? Podemos cobrar da sua gestão?
Eu gostaria muito de contrabandear essas perguntas para o debate eleitoral. Será
que eu consigo? Quem sabe algum colega jornalista pudesse fazê-las por mim. Ou
será que somente as metas de inflação merecem o firme compromisso político do
próximo presidente?
Assisti aos dois primeiros debates dos candidatos a presidente na TV. Deu para ver
que o tema da segurança pública se tornou um tema importante, quase sempre
abrindo as discussões. Provavelmente porque os marqueteiros detectaram a
relevância do tema entre os eleitores brasileiros. Mas, por enquanto, não ouvi nada
de relevante saindo de seus discursos superficiais.
Apesar de relegado a segundo plano, o debate sobre os homicídios é mais do que
pertinente. Em 2012, ocorreram 56.337 homicídios no País. Visualize mentalmente
a multidão em um estádio da Copa do Mundo. É mais ou menos como se uma
massa como aquela morresse todo ano. O mais importante é que já existem
formas para evitar tantas tragédias. Desde 1997, quando Nova York mostrou que a
diminuição dos homicídios podia ser enfrentada com políticas públicas em curto
prazo, a discussão sobre a redução dos assassinatos mudou no mundo. Deixou de
ser vista como um sonho longínquo para ser assumida pelos políticos como um
intervenção com resultados quase imediatos.
Outros grandes cidades também conseguiram liderar reduções intensas em
períodos curtos, como Medellín e Bogotá, na Colômbia, e São Paulo e Recife, no
Brasil. É por isso que os candidatos a presidente não podem mais se acovardar
diante do problema.
Os homicídios estão crescendo no Brasil desde 1980, quando 13.910 pessoas (11,7
por 100 mil) foram assassinadas. Em 2012, o total já havia saltado para as 56.337
mortes (29 por 100 mil habitantes). Cresceu fortemente no Governo de Fernando
Henrique Cardoso – passou de 32. 603 ocorrências em 1994 para 49.695 em 2002
(28,5 por 100 mil) – e segue aumentando no Governo de Dilma Rousseff — foi de
52.260 (27,4 mortes por 100 mil) em 2010 para os 56.337 (29 por 100 mil) de
2012.
O governo Lula foi o único que registrou queda das taxas de 28,5 por 100 mil em
2002 para 27,4 em 2010. Só que não há muito para o ex-presidente celebrar, já
que quase a totalidade da redução se deveu à intensa queda verificada no mesmo
período em São Paulo. Em oito anos, os paulistas, estado com maior número
absoluto de mortes no Brasil, reduziram o total de assassinatos de 14.494 para
5.806 em 2010.
Só não vá perguntar ao governador os motivos: ele provavelmente repetirá três ou
quatro frases feitas sugeridas por seus marqueteiros. É curioso que nem ele parece
entender como a queda ocorreu.
Caso tope o desafio, a primeira estratégia para o (a) presidente é focar os esforços
nos chamados pontos quentes ou hot-spots brasileiros, locais que concentram a
maior quantidade de conflitos fatais. Esse esforço deve ser feito na base da sintonia
fina. Inicia-se a concentração de medidas nos estados mais violentos, partindo
para as cidades e bairros onde se concentram os conflitos. Os homicídios são quase
sempre crimes territoriais que demandam políticas focadas e localizadas.
Os estados do Norte e Nordeste são os que atualmente se encontram em situação
mais delicada. São nordestinos os cinco estados que mais aumentaram o total de
homicídios entre 2002 e 2012. Do 1º ao 5º, respectivamente, lideram as altas Rio
Grande do Norte, Bahia, Maranhão, Ceará e Paraíba. No ranking dos mais
violentos, hoje estão na liderança Alagoas (64,6 homicídios por 100 mil
habitantes), Espíritos Santos (47,3 por 100 mil), Ceará (44,3 por 100 mil), Goiás
(44,3 por 100 mil) e Bahia (41,5 por 100 mil). Os estados do sudeste, antigos
campeões nos anos 1980 e 1990, entraram em viés de baixa.
Não se pode dizer que os candidatos estejam mal assessorados na área. No governo
Dilma, a secretaria Nacional de Defesa, Regina Miki, mergulhou em uma rica
experiência em Alagoas, na tentativa de reduzir as taxas do Estado. Conseguiu
uma leve redução, revertendo pelo menos a tendência de alta. Foi uma política
limitada e restrita, mas que pode servir de base em um eventual segundo mandato.
O sociólogo Claudio Beato, que ajudou a implementar com sucesso em Minas
Gerais o programa de redução de homicídios Fica Vivo, também é um especialista
no tema. Caso seja ouvido por Aécio Neves, certamente boas políticas podem
aparecer. Outro sociólogo, José Luiz Ratton, foi um dos coordenadores de Eduardo
Campos em Pernambuco no bem-sucedido Pacto pela Vida. Apesar de não integrar
a equipe de Marina Silva, caso a candidata queira, não faltará expertise vindas
principalmente de Pernambuco.
Falta, contudo, o mais importante: compromisso político com o tema. Já ficou
demonstrado que o empenho de lideranças no cumprimento da missão,
como fez Eduardo Campos em Pernambuco entre 2008 e 2012, é fundamental
para o sucesso da empreitada.
Caso não sejam cobrados de compromissos relevantes, os candidatos talvez
prefiram se concentrar em ideias populistas, voltadas ao mercado de votos, mas
que de nada adiantam para enfrentar os gargalos da segurança pública. Como é o
caso de Aécio Neves, que vai levantar a bandeira da flexibilização da maioridade
penal.
Segue abaixo dez medidas para atuar na redução dos assassinatos no Brasil,
segundo os especialistas José Luiz Ratton, Carolina Ricardo e Lígia Rechenberg. As
sugestões fazem parte de uma agenda de segurança pública preparada pelo
Instituto Sou da Paz para os candidatos a presidente. Veja a íntegra do artigo que
eles escreveram para o El País aqui.
1) Articular esforços para incentivar os Estados a priorizarem a redução dos
homicídios. Um plano nacional com diagnósticos sólidos, estabelecimento de
metas de redução e produção de indicadores de avaliação dessas metas.
2) Conhecer a fundo as dinâmicas associadas aos homicídios nos territórios onde
ocorrem.
3) Aumentar o índice de esclarecimento dos crimes. As taxas de esclarecimento
variam de 8% a 69%, predominando o percentual de 15% em estados como
Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nos EUA, esse percentual é de 64% e
na Inglaterra de 81%.
4) Criação de departamentos especializados para crimes contra a vida.
5) Incentivo ao cumprimento de mandados de prisão dos acusados de homicídio.
6) Investimento nas perícias criminais.
7) Fortalecimento das Varas do Tribunal do Júri.
8) Implementar uma política de controle de armas.
9) Fortalecer o controle sobre categorias com acesso a armas (como empresas de
segurança privada, atiradores e colecionadores). Aprimorar programas de retirada
de armas de circulação; mecanismos de rastreamento de armas e ampliação da
marcação de munições e estimulo a mecanismos estaduais de destruição rápida de
armas e munições.
10) Criar ações para reduzir o número de mortos em ações policiais, tanto civis,
quanto policiais. Em São Paulo, em média uma em cada cinco mortes é praticada
por policiais em supostas resistências seguidas de morte. Estimular a atuação das
Corregedorias e Ouvidorias com foco na redução da letalidade, desarticular grupos
de extermínios com forças-tarefa inter-institucionais e disseminar protocolos e
procedimentos de uso da força em todos os níveis.
Estadão