Me tirem o tubo!”

Rubens Nóbrega

Recebi excelente notícia ontem pela manhã. Amigo meu que entrou em coma a partir de 1º de janeiro de 2011 recobrou a consciência. Fui visitá-lo à tarde no hospital da cidade onde estava internado desde o acidente que quase lhe tirou a vida no réveillon daquele ano. Pareceu-me bem disposto, e ainda mais animado depois que entrei no apartamento onde se recupera.

Saudou-me efusivamente, mandou puxar cadeira e, contrariando recomendações médicas para ‘ir devagar’, bombardeou-me de perguntas, querendo saber tudo e logo sobre o que se passou na Pequenina enquanto ele ‘dormia’. Compreensível: antes do coma, esse amigo era daqueles crédulos em uma Nova Paraíba e na vez de o nosso Estado, enfim, ir mais longe.

– Aposto como o homem conseguiu botar as coisas nos eixos. Mas me conte, quero ouvir de você, com toda sinceridade, como é que a gente está. E aí, camarada, a Paraíba voltou a ser um lugar tranquilo, conforme ele prometeu na campanha? E deu pra melhorar a segurança em seis meses, como ele garantia?

Fiquei encabulado de responder e ao mesmo tempo preocupado, pois uma resposta absolutamente sincera poderia resultar em piora no estado dele. Optei por informar que está vindo por aí uma tropa boa da Força Nacional de Segurança, pra ver se dá um jeito na escalada da violência que assola a Paraíba. Enquanto isso, observei, “o governo vai tocando como pode e reduzindo a criminalidade a golpes de estatística”.

Acertei. Apesar da cara meio decepcionada, ele reanimou-se ao lembrar que em 2010 o então candidato a governador prometia também melhorar substancialmente os salários e as condições de trabalho da Polícia. “Imagino que tanto os PMs como policiais civis estejam satisfeitos”, disse-me, levando-me a supor que ainda acreditava na palavra dada do homem.

“Uma parcela deve estar muito satisfeita, sim”, confirmei, complementando em seguida a explicação: “Refiro-me ao pessoal da Polícia que ocupa cargos de comando, de confiança, funções gratificadas ou comem na Granja Santana, onde o rancho melhorou substancialmente, conforme atesta auditoria do Tribunal de Contas”, falei.

Acho que ele não gostou muito da explanação, a julgar pelo cenho que se franzia a cada frase pronunciada. “Mas, rapaz, quer dizer que está assim, é? Bem, mas e a Educação? Não é possível que não esteja bem. Lembro que na campanha o homem tinha o apoio entusiástico da maioria dos professores, inclusive os da UEPB. E dos alunos também… Mas diga lá, a gente melhorou naquelas avaliações do Mec e na relação do governo com o magistério, não?”.

Não quis enganá-lo. Não é do meu feitio. Comecei pelo afastamento de diretores eleitos que não rezavam na Cartilha Girassol, lembrei o episódio da polícia usando spray de pimenta no olho de alunos adolescentes, o cacete que professores levaram dentro do Palácio da Redenção, a quebra de autonomia da UEPB, o congelamento das gratificações, o desrespeito ao plano de carreira do magistério, o fechamento de quase 200 escolas, o escândalo da compra de móveis escolares superfaturados, segundo ação do Ministério Público, e o recuo na melhoria dos índices de desempenho da educação pública mantida pelo Estado após o advento do atual governo.

Tive que me interromper, nesse ponto. Uma enfermeira chegou para dar remédio ao meu amigo e achou o paciente bastante agitado. “O que vocês tão conversando pra deixar ele assim, hem?”, inquiriu-me a moça, com indisfarçado ar de reprovação. Contei que estava apenas atualizando sobre o que aconteceu e acontece na Paraíba, mas a pedido e por insistência dele mesmo, que me conhece e sabe que não sei mentir.

“E olhe que só falamos até agora da segurança e da educação. Imagine quando chegar na saúde, no trato com os funcionários…”. Feito o Bode Gaiato, ela soltou um ‘Armaria!”. Foi justo no instante em que abria mais a passagem do soro prescrito pro meu amigo. “Home, vão falar de outra coisa, de futebol, mulher…”, recomendou-nos. Recomendação inútil. Tão logo ela saiu, o meu amigo voltou à carga.

“Não é possível que a saúde não esteja bem. Afinal, o homem é do ramo e recordo bem que ele sempre defendeu serviços públicos de saúde e, muito mais, os direitos e as reivindicações do pessoal da saúde”, manifestou, parecendo seguro de que, pelo menos nessa área, eu só lhe daria boas notícias.

“Lamento, camarada, mas aí é que o bicho pega. O governo começou brigando com os médicos, terceirizou o Hospital de Trauma da Capital, passou mais de seis meses para colocar em funcionamento o Trauma de Campina, que o antecessor deixou prontinho da Silva, e vez por outra o CRM ou o Ministério Público tem que ir à Justiça para fazer com que o Estado cumpra com suas obrigações, como fornecer remédio de uso continuado pra quem mais precisa. Pra você ter uma ideia, como se fosse pouco tem equipe do Samu que vai pra delegacia prestar queixa porque traz o paciente e não encontra médico em hospital. É um vexame, uma calamidade. Sinto muito, amigão, mas essa é a durava verdade que a gente sabe e percebe”.

Parei de falar de novo. Entrou um médico para a visita do dia. “Acho que tá na hora ir, companheiro”, dei a senha para bater em retirada, mas ele me pediu adiar a despedida para depois da saída do médico. Fiquei, mas fiquei calado, prestando atenção no médico, que aplicava o questionário de praxe ao paciente enquanto lhe auscultava. Depois, mediu a pressão e já se preparava para sair e ver outro interno quando o meu amigo fez uma pergunta invocada, na lata, que deixou a mim e ao médico meio entalados, à beira de um engasgo mental.

– Doutor, será que o senhor poderia me receitar um coma induzido? – perguntou, na maior seriedade. E se manteve sério, apesar do médico responder com um “o senhor só pode estar brincando”. Pela tristeza no olhar do meu amigo, tenho certeza de que ele falou a sério. Brincadeira coisa nenhuma!