Matusalém da Nóbrega

Rubens Nóbrega

Trago hoje péssima notícia para quem me quer ver fora das suas vistas, das suas vidas, da Paraíba ou, quem sabe, bem longe deste mundo, onde o retorno seja impossível. Especialmente àqueles que não me suportam tenho o prazer de anunciar: sou candidato ao título de primeiro vivente mais ou menos racional a viver no mínimo 150 anos, idade a que chegarei graças aos avanços de pesquisas desenvolvidas na Universidade de Cambridge.

Informo ainda que para tanto assinei na última sexta-feira (15) contrato com a tradicional e respeitadíssima instituição inglesa. Pelo acordo, farei parte de um grupo de cinco cobaias hiper criteriosamente selecionadas em todo o planeta para estudos que visam deter o envelhecimento. O experimento, conduzido pelo biogerontologista inglês Aubrey de Grey, não tem apenas o objetivo – por si só já bastante ambicioso – de prolongar por tempo indeterminado a vida humana.

A ideia é juntar longevidade e qualidade de vida, graças à completa eliminação de todas as doenças, principalmente as supostamente incuráveis, em processo simultâneo ao fabrico de alimentos e medicamentos capazes de promover o rejuvenescimento das células do nosso corpo. O próprio Doutor De Grey cuidou pessoalmente de me convencer disso. O homem milenar, disse, não é mais coisa de ficção científica, mas de uma realidade cada vez mais próxima que pouco a pouco vai se materializando nos laboratórios e cérebros de pesquisadores ultra competentes, mega referenciados.

A ‘cura’ da velhice

Para resumir e definir a grande meta de sua carreira, o cientista usou uma expressão ousada que me impactou profundamente e até pode ser interpretada como preconceituosa. “O que estamos buscando, meu caro, é em suma a cura da velhice, o que nos levará a um prolongamento indefinido da vida”, falou. O Doutor prevê que em menos de 20 anos geriatras de todo o Ocidente, pelo menos, já terão acumulado conhecimento suficiente para colocar o envelhecimento sob controle médico.

Conversei com De Grey em Londres, pouco antes de ele proferir palestra no Britain’s Royal Institution, uma academia britânica de ciências onde reforçou tese e previsões com um argumento aparentemente incontestável: “Já temos hoje sob controle a maioria das doenças infecciosas, portanto…”. E repetiu a este seu novo colaborador algo que já li em entrevistas por ele concedidas à imprensa norte-americana:

“Não demora, as pessoas irão ao médico para manutenção regular com terapias genéticas, usando células-tronco, estimulação imunológica e várias outras técnicas avançadas’.

Nome bem apropriado

Meu papo com De Grey aconteceu semana passada, um dia após encerrar minha estadia em Cambridgeshire. Lá estive para discutir e amarrar com a chefia do Departamento de Genética da Universidade tanto os critérios bioéticos da pesquisa como as condições objetivas de minha participação na empreitada já apropriadamente batizada de Projeto Matusalém, que recebe financiamento externo através de uma fundação do mesmo nome.

Complementando, talvez seja desnecessário dizer, mas não custa lembrar que o nome do projeto é óbvia referência ao macróbio bíblico que teria vivido quase mil anos e somente morreu porque não sabia nadar nem tinha prestígio junto ao velho Noé. Dizem que Matusalém não foi convidado a viajar na famosa arca. Resolveu, então, comprar a sua passagem. Mas aí rolou o maior overbooking. Resultado: não deixaram o coitado do velhinho embarcar. E não adiantou reclamar nem protestar. Naquele tempo não tinha Procon nem essa de idoso ser preferencial. Assim, quando veio o dilúvio…

Vida milenar ao alcance

De Grey esbanja certeza no seu conhecimento e prognósticos. Uma certeza matemática, tipo dois mais dois são quatro. Assegura, sem pestanejar, que o primeiro humano em condições de viver um milênio nascerá em meio século. Melhor ainda: pra quem já se encontra por aqui e não deseja sair tão cedo, a alternativa estará disponível até 2060. “Se você tiver um pouquinho de paciência e quiser viver mil anos, não haverá problema daqui a menos de 50 anos”, estimou.

Agradeci a oferta. Não ambiciono tanto. Século e meio está de bom tamanho. É tempo de sobra para realizar algumas coisas que não pude neste meu primeiro cinquentenário. Como, por exemplo, nunca mais acordar e passar o dia remoendo no juízo a música ‘Epitáfio’, consagrada nas vozes de Milton Nascimento e dos Titãs. Com mais cem anos de bônus, com toda segurança deixarei de me lamentar interiormente, diariamente, cantando os seguintes versos de Sérgio Britto:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado
as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
e a dor que traz no coração