Marchas e vassouras

Rubens Nóbrega

A propósito de marchas e vassouras contra a corrupção, movimentos que vêm conquistando corações, mentes e ruas na Paraíba e em todo o Brasil e contam, inclusive, com apoio de órgão das Nações Unidas, recebi esta semana instigante comentário do Professor Flávio Lúcio Vieira. Em torno de suas considerações, mantivemos via Internet o diálogo que reproduzo adiante.
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Flávio – Rubens, marchas contra a corrupção e vassouras voltando a simbolizar uma a luta contra a corrupção no Brasil me dão uma inevitável e preocupante sensação de déjà vu. A UDN voltou com força na pele de PSDB e DEM, e, assim como também aconteceu antes de 1964, via “organizações da sociedade civil”, é para emprestar um verniz de “espontaneidade” a movimentos desse tipo.
Infelizmente, a OAB, que antes empunhava as bandeiras mais legítimas da sociedade e da verdadeira cidadania, hoje se apresenta como instrumento do falso moralismo de uma elite cuja maioria não está nem aí para a situação do povo. Eles vivem em outro país. No país real, que já é a quinta maior economia do mundo e onde milhões foram retirados da miséria absoluta, eles só enxergam corrupção. É como alguém que reza para fazer desaparecer algo que realmente existe.

Assim como os consumidores de cocaína não aparecem como os principais incentivadores do tráfico de drogas, no debate sobre corrupção os corruptores são fantasmas que ninguém vê. Onde estão os corruptores? Onde estão as vassouras que simbolizam os bancos privados, as empreiteiras, o agronegócio, os donos de escolas e faculdades privadas, os planos de saúde? Pensemos numa coisa óbvia: não existiriam corruptos se não existissem os corruptores. Afinal, quem corrompe? O pobre? O trabalhador? A dona de casa? O estudante? É um simplismo muito conveniente enxergar corrupção apenas no Congresso…
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Rubens – Reconheço que o movimento possa ser confundido como de inspiração udenista, mas seria simplismo acreditar que remete tão somente ao Parlamento. Vejo diferente: cada vassoura é oferta-sugestão a cada congressista para que, a partir dele, comecemos a faxina que exige, claro, a formulação de leis mais duras e eficazes contra a corrupção.

PS: posso publicar, juntamente com a minha ousadia de discordância?
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Flávio – Ora, Rubens, as leis contra a corrupção já existem. Corrupção no Brasil é crime há muito tempo, e tem penalidades para quem pratica. Quase toda semana a PF prende dezenas de corruptos em várias de suas operações. Quantos continuam na cadeia? O caso mais famoso, o do banqueiro Daniel Dantas, que foi denunciado com provas consistentes por participação em casos graves de corrupção e foi flagrado tentando corromper um policial, conseguiu dois (dois) habeas corpus num mesmo dia do ministro Gilmar Mendes no STF! A dona da Daslu, presa por sonegação fiscal e contrabando, está aonde? Você lembra do escândalo dos “anões do orçamento”? Muitos parlamentares foram cassados, inclusive um inocente (Ibsen Pinheiro, à época presidente da Câmara). Por trás dele, estavam grandes empreiteiras, que patrocinavam emendas para obter obras em licitações fraudulentas.
Quando foi proposta a CPI das Empreiteiras pelo senador Pedro Simon, que pretendia dar seguimento à “CPI do Orçamento”, nenhum grande partido, inclusive o PT, e nenhum órgão da grande imprensa se interessou em pressionar o Congresso pela instalação da CPI. Por quê? Porque envolveria os maiores corruptores do Brasil, aqueles que botam no bolso bilhões de reais desviadas de grandes obras públicas. Se é para combater a corrupção, vamos começar colocando na cadeia esses grandes corruptores, ou seja, os grandes empresários que posam de bons moços! Sem eles na cadeia, não tem como combater a corrupção. O problema é que, se isso um dia acontecer, haverá sempre algum filiado da OAB para tirá-los de lá.

PS. Pode publicar. Apenas peço para inserir, no texto anterior, a passagem destacada em vermelho logo abaixo (refere-se ele ao trecho “(…) é para emprestar um verniz de ‘espontaneidade’ a movimentos desse tipo)”.
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Rubens – Quando falo em leis mais eficazes e duras contra a corrupção quero significar, por exemplo, a volta de mecanismo similar ao da CPMF para rastear movimentações financeiras, quebra do segredo de justiça em processos que apuram atos de corrupção, adoção do rito sumaríssimo em todo procedimento disciplinar que apure desvio de recursos públicos em âmbito administrativo, afastamento imediato dos gestores sob investigação, financiamento público de campanha, fim da aposentadoria-prêmio de magistrados (juizes corruptos aposentados com vencimentos integrais), aperfeiçoamento da Lei da Improbidade (que deveria prever cadeia para corruptos, unificação da pena de perda dos direitos políticos por oito anos e imediato leilão de bens bloqueados para garantia de ressarcimento do erário)… Bem, a minha lista é grande e enfadonha, mas já dá pra ver que existem leis e leis contra a corrupção. As que estão aí são puro exercício de leniência, em sua maioria.
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Flávio – Perfeito! Essas iniciativas têm todo o meu apoio, mas eu insisto que o problema da corrupção tem um outro lado que ninguém vê (ou não quer ver). Mas vamos torcer para que, pelo menos, movimentos desse tipo resultem em mudanças como as que você sugere, e não seja apenas água no moinho da oposição udenista.