Procuradores da Operação Lava Jato esconderam informações da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, ao pedir seu apoio num momento decisivo das investigações sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no início de 2016.
Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil mostram que os procuradores sabiam que o líder petista mencionara Rosa em telefonemas grampeados pela Polícia Federal e mobilizara aliados para tentar influenciá-la, mas decidiram deixar a ministra do STF no escuro quando a procuraram para tratar do caso.
Os diálogos, analisados pela Folha junto com o Intercept, indicam que os integrantes da Lava Jato agiram assim por temer vazamentos de informações que poderiam prejudicar as investigações, que nessa época eram conduzidas sigilosamente pela força-tarefa à frente da operação em Curitiba e pela Polícia Federal.
Segundo as mensagens, eles também evitaram fornecer ao gabinete do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem pediram que discutisse o assunto com Rosa, detalhes sobre o andamento do caso em Curitiba e as ações planejadas pela Lava Jato no cerco a Lula.
A questão estava na mesa da ministra porque ela fora sorteada para examinar uma ação que a defesa do ex-presidente movera para tentar suspender as investigações. Para os advogados de Lula, havia um conflito entre a força-tarefa de Curitiba e promotores de São Paulo que também o investigavam na época.
Além de ordenar a interceptação dos telefones do líder petista, o então juiz Sergio Moro, que era responsável pelos processos da Lava Jato no Paraná, autorizara os investigadores a realizar buscas e conduzir Lula à força para depor. Faltava definir a data da operação quando o caso chegou ao STF.
As mensagens obtidas pelo Intercept sugerem que a força-tarefa temia que Rosa aceitasse os argumentos da defesa do ex-presidente. Além disso, revelam que o grampo nos telefones do petista permitiu que os procuradores obtivessem informações sobre a movimentação dos seus advogados e se antecipassem a eles.
O material também oferece novos indícios da proximidade entre os investigadores e Moro, que deixou a magistratura para ser ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro (PSL). O Supremo deve julgar em breve uma ação em que Lula questiona a imparcialidade de Moro como juiz e pede a anulação dos processos em que foi condenado.
A ação examinada por Rosa Weber em 2016 foi protocolada pela defesa do ex-presidente na tarde de 26 de fevereiro, uma sexta-feira. Pouco depois, a Polícia Federal interceptou duas ligações em que o advogado Roberto Teixeira, sócio do escritório que defende Lula, sugeriu o contato com a ministra.
Teixeira queria que o então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, hoje senador, procurasse Rosa para discutir o caso de Lula. “Eu acho que ele que é o caminho para falar com ela”, disse Teixeira, conforme a transcrição feita pela PF semanas depois. Lula afirmou ao advogado que falaria com Wagner.
As mensagens analisadas mostram que o agente Rodrigo Prado, que monitorava a escuta telefônica, avisou um grupo de investigadores no aplicativo Telegram no dia seguinte, sábado. Ele compartilhou resumos dos diálogos mantidos por Teixeira com Lula e um dos seus seguranças na véspera.
Meia hora depois, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de Curitiba, enviou os resumos do policial a Sergio Moro pelo Telegram e apontou riscos que a ação no STF criava. Antes da Lava Jato, Moro trabalhara como juiz instrutor no gabinete de Rosa Weber durante o julgamento do escândalo do mensalão, em 2012.
“Até onde tenho presente, ela é pessoa seria”, disse o juiz a Deltan. “Nao tem tb a tendência de entrar em bola dividida. Mas claro, tudo é possível”.
As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas. O site, que começou a divulgar as mensagens vazadas em junho, informou ter recebido o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo.
Deltan e outros integrantes da força-tarefa de Curitiba debateram o assunto intensamente durante o fim de semana, de acordo com as mensagens. Os procuradores achavam que uma conversa com Rosa poderia ser útil, mas não queriam abrir completamente o jogo com a ministra.
“Um contato lá seria bom, mas teríamos que abrir a existência do diálogo e poderia vazar”, disse Deltan ao procurador Júlio Noronha, referindo-se às conversas de Lula que tinham sido grampeadas. “O moro pode neutralizar”, sugeriu Januário Paludo, lembrando aos colegas que o juiz trabalhara com Rosa.
Nas mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept, não há registro de que Moro tenha procurado a ministra do Supremo para tratar do assunto. Em resposta a questionamentos da Folha, Moro e os procuradores de Curitiba disseram que não discutiram o tema com a ministra.
Mas os diálogos deixam claro que eles sabiam das menções a Rosa nas conversas de Lula e optaram por não informá-la. Semanas depois, quando Moro levantou o sigilo da investigação, o ministro Teori Zavascki, que era relator da Lava Jato no STF, repreendeu o juiz por não ter compartilhado a informação.
Em 28 de fevereiro, um domingo, os procuradores discutiram a elaboração de um documento com informações a serem levadas a Rosa pela Procuradoria-Geral da República. O objetivo era apontar diferenças entre as investigações em curso em Curitiba e São Paulo, sem entrar em detalhes.
Embora as duas frentes tivessem interesse na ligação de Lula com o apartamento tríplex reformado pela empreiteira OAS em Guarujá (SP), as investigações conduzidas pela Lava Jato eram mais abrangentes e buscavam conexões entre o ex-presidente e o esquema de corrupção descoberto na Petrobras.
Deltan argumentou que seria difícil conquistar o apoio do procurador-geral Janot para qualquer iniciativa no STF sem revelar informações sobre o andamento do caso e as ações que eles planejavam deflagrar contra Lula, mas outros integrantes da força-tarefa desconfiavam de Janot e achavam que isso seria arriscado.
“Não abra nada”, disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima durante uma discussão no Telegram. “Se finja de morto”, afirmou Paludo. “Tem havido vazamentos dentro do gabinete”, acrescentou Carlos Fernando.
Também havia preocupação com vazamentos ocorridos em Curitiba. No dia 26, um blog simpático aos petistas publicara informações confidenciais sobre uma das ações autorizadas por Moro, a quebra do sigilo bancário e fiscal do ex-presidente e de várias pessoas e empresas associadas a ele.
Quando Prado, o agente que monitorava a escuta dos telefones de Lula, enviou ao grupo dos investigadores no Telegram a transcrição de outra ligação feita pelo ex-presidente na sexta-feira, em que ele pedia a Jaques Wagner que falasse com seu advogado, Carlos Fernando insistiu com os colegas.
“Sou contra falar sobre qualquer coisa sobre operação”, disse o procurador. “Apenas sobre a necessidade de que o STF não interrompa a investigação.”
Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress