Por placar apertadíssimo (6 x 5), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu receber os embargos infringentes e permitir o reexame do julgamento de 12 réus condenados no processo do mensalão.
Como o assunto ganhou o interesse nacional, por envolver políticos e empresários poderosos em esquema de corrupção, virou tema de polêmica na imprensa e em todas as rodas de conversas. Por isso, existem questões que precisam de maiores esclarecimentos, sobretudo falsas alegações e incongruências.
Técnica
O voto de Minerva do ministro Celso de Mello, aceitando os embargos infringentes e desempatando a questão dos condenados, está sendo celebrado como ‘técnico’. A expressão, no caso, parece ter o sentido de dar ao voto do ministro um caráter de isenção e distanciamento da política.
É verdade. O voto do ministro foi ‘técnico’, mas também foi técnico o voto da ministra Carmém Lúcia, por exemplo, que foi contra o recebimento dos embargos infringentes, e não mereceu o mesmo atributo dado ao voto de Mello.
Política
Na verdade, os fundamentos das duas teses discutidas são técnicos. Mas a opção por qualquer uma delas tem conotação política. Não partidária, mas no sentido mais amplo da expressão, pela repercussão que o mensalão ganhou no país. Além disso, a maioria dos julgadores foi nomeada por governantes pertencentes ao partido dos acusados.
O próprio ministro Celso de Mello não estaria isento de ligações políticas. Imagine-se que ele foi nomeado para o STF pelo ex-presidente José Sarney, do PMDB, que é o principal aliado do PT. Há um fio que permite a ilação.
Não existe santo no STF.
Novos ministros
Além disso, o julgamento como um todo foi eivado de conotação política. Tanto que mudanças no curso do julgamento foram possíveis pela nomeação de dois novos ministros pelo governo dirigido pelo partido da maioria dos condenados.
Pressão
A imprensa registra que o ministro Celso de Mello, na primeira parte de seu voto, fez queixas contra a pressão que teria recebido para votar contra o recebimento dos embargos infringentes.
Dois lados
Não existem razões para as queixas. Primeiro, porque também houve pressão da outra parte. Todos os ministros foram pressionados pelos dois lados. Então que se condene todo tipo de pressão, não apenas a supostamente recebido por Mello.
Vontade popular
No caso do voto de Minerva, grande parte da pressão partiu de segmentos da sociedade. Um ministro do STF deve votar de acordo com sua consciência, mas não pode queixar-se ou condenar a pressão da sociedade, a vontade popular, que foi o que houve.
Isonomia
Além das questões mais gerais, o voto do ministro Celso de Mello leva o Supremo a criar uma situação de incongruência jurídica no país. Incongruência técnica.
Como observa o ministro Marco Aurélio Melo, em artigo publicado no jornal O Globo, um governador que seja condenado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em processo originário, não terá direito ao embargo infringe por não está previsto em seu regimento. Haveria, assim, quebra do princípio a isonomia. Como essa confusão jurídica será agora solucionada?
Duplo grau
O ministro Celso de Mello apoiou seu voto de Minerva numa tese simpática – a do direito ao duplo grau de jurisdição -, princípio consagrado nas declarações de direitos humanos, citando, especialmente, exigência da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Julgamento coletivo
A tese é simpática, mas tem contestadores no mundo jurídico. O duplo grau de jurisdição, que permite um segundo julgamento, teria o escopo precípuo de proteger acusados em julgamentos monocráticos. Ou seja, uma única cabeça tem mais possibilidades de erros. Não seria, pois, imperioso para julgamentos coletivos, como os do STF, com a participação de 11 juízes.
Novatos
De difícil compreensão na análise dos embargos dos condenados no mensalão é a participação de dois novos ministros, com votos discrepantes dos julgadores do mérito da ação.
Como votariam os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Brito agora? Os dois poderiam até votar pelo recebimento dos embargos infringentes. Mas seria algo coerente. Afinal, eles tinham participado de todo o julgamento. O mais provável, porém, pelo conjunto de seus posicionamentos, é que eles votassem contra. Diferentemente da participação dos ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que chegaram agora após serem escolhidos e indicados em processo puramente político. É ético isso?
Esperança
A esperança nacional de que as condenações impostas aos condenados no processo do mensalão sejam mantidas tende a se diluir. Pelas muitas incongruências que registradas no curso do julgamento.
Redenção
O ministro Celso de Mello deve tentar se redimir mantendo o vôo pela condenação no mesmo teor de seu posicionamento do mérito da ação. Ele fez voto veemente contra a impunidade.
E agora?
Mas como votará a ministra Rosa Weber, que acatou a acusação dos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro e agora foi a favor do recebimento dos embargos infringentes?
Lavagem de dinheiro
Como votarão os ministros Marco Aurélio Melo e Carmém Lúcia, que no mérito entenderam que não cabia a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro por haver necessidade do pressuposto de crime anterior referente à captação ilícita do dinheiro lavado?
Ricos e poderosos
Vai-se alegar que é assim mesmo, que o Direito e a Justiça são complexos. Pode ser. A verdade, porém, é que essa complexidade só funciona em favor de réus ricos e poderosos, como são os condenados no processo do mensalão.
Juízes, desembargadores e ministros têm devem decidir de acordo com a consciência e o livre convencimento, mas não podem se embananar nem embananar o cidadão. É o que pode ocorrer com nosso STF.