Jejum dos preconceitos

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Nonato Guedes

O arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto, teorizou de forma inspirada e oportuna quando indagado a respeito do comportamento dos cristãos na Semana Santa. Nos jornais, é pauta recorrente consultar o bispo se o cristão pode ou não comer carne e se deve jejuar ou não nesse período de celebração com forte simbolismo evangélico. O pastor do rebanho católico reagiu afirmando que mais importante é praticar o jejum dos preconceitos, dos julgamentos, das fofocas, das maledicências e intrigas. “Comer ou não comer carne é secundário. O que é importa é a conversão do coração”, disse dom Aldo. No tempo de dom José Maria Pires, fez-se-lhe a mesma pergunta. Sobre o cardápio que recomendaria aos fiéis, dom José foi enfático: “A opção é proporcional às necessidades e possibilidades de cada um”.

Dom Aldo, abstraindo a sua formação humanista-teológica, parece ter sido tocado pelas bênçãos do Papa Francisco, que tenta modelar uma Igreja com face mais simples, despojada da pompa. Desde que o argentino Jorge Mario Bergoglio foi ungido ocupante do trono de Pedro, na esteira da renúncia de Bento XVI, o hoje Papa emérito, ele tem dado mostras, ao mundo, de que veio para tentar construir uma Igreja dos pobres, para os pobres, e tem espargido conceitos que o colocam num patamar de solidariedade para com os mais carentes. Dirigindo-se aos conterrâneos, na celebração da missa de início do seu Pontificado, pediu que rezassem por ele e deu um conselho: “Deixem de lado a inveja, e não falem mal de ninguém”. Repetiu, depois, na homilia assistida por chefes de Estado e uma multidão reunida na Praça de São Pedro: “O ódio, a inveja e a soberba sujam a vida”.

A revista “IstoÉ”, em editorial intitulado ‘O catolicismo segundo Francisco”, repara que o Vaticano começa a se mover, na cadência do novo Pontífice. “Não há como ficar indiferente, e não se impressionar, com as opções de Francisco. Autênticas, ao que tudo indica, foram cultivadas em anos de vida regrada, hábitos simples e convivência com os mais humildes”, acrescenta o editorial, enumerando regalias, que na verdade constituem o falso brilhante, de que o Papa abriu mão, ao recusar a suntuosidade dos aposentos, dispensar o trono papal e substituí-lo por uma cadeira talhada em madeira, rejeitar a estola bordada a ouro em seus trajes e seguir calçando o surrado sapato preto que usava em missões nas comunidades carentes. Não se deixou seduzir nem mesmo pela opulência dos crucifixos cravejados de pedras preciosas. Francisco não quis sequer o anel de ouro, símbolo do poder católico, e mandou confeccioná-lo em prata, banhado de dourado.

Seria o Papa Francisco um candidato a populista? Não importam as exegeses que são feitas em todo o mundo para decifrar o significado da sua aparição em meio à fumaça preta da Capela Sistina, num conclave rápido que reproduziu o consenso em torno da figura que a Igreja Católica buscava para fazer a travessia depois do vendaval acumulado, com os dejetos de escândalos sexuais e de transações financeiras tenebrosas, e a cumplicidade de cardeais magnetizados pela cupidez do poder. “O verdadeiro poder é o serviço”, resumiu ele, com a aura de quem se dispõe a devolver à Igreja a credibilidade de que vinha se ressentindo e com a consciência do seu papel decisivo para operar um corte incisivo nas relações eclesiásticas no continente.

Quando foi sacramentado, ficou mais ou menos evidente que o novo Papa fizera uma opção pelos pobres e, ao mesmo tempo, mudara o eixo do poder católico. “Vim do fundo do mundo”, disse ele, com profunda sinceridade, ao constatar que os sinos do Vaticano produziram a maior surpresa em mais de um milênio. É dele esta frase: “Os direitos humanos são violados não só pela repressão, pelo terrorismo, mas, também, pela extrema pobreza”. Em linguagem coloquial, rápida, desmontou séculos de reflexões e colocou na mesa respostas que, afinal, são elementares, ou curiais. A distribuição injusta de bens persiste, como observou, criando uma situação de pecado social que grita aos céus e limita as possibilidades de vida mais plena para muitos de nossos irmãos.

A muitos, o Papa evoca São Francisco de Assis, o santo dos pobres, que fundou a ordem franciscana no século XIII num momento em que a Igreja enfrentava uma série de escândalos morais. Outros ressaltam que a Igreja, agora, passa a ter um novo rosto, senão Jorge Bergoglio não teria escolhido o nome Francisco, o que é compartilhado, inclusive, pelo ex-frade Leonardo Boff, adepto da Teologia da Libertação. O que interessa é que temos um Pontífice capaz de devolver a Sé às suas verdadeiras origens. Nele, faço fé!