O governador Ricardo Coutinho vem oferecendo ao Tribunal de Justiça da Paraíba as mais explícitas e evidentes condições objetivas, jurídicas mesmo, para um pedido de intervenção federal no Estado. Basta que o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Abraham Lincoln, mande ofício ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) relatando que o Judiciário Estadual perdeu sua capacidade de livre exercício sob a Nova Paraíba.
Basta que nesse ofício o desembargador-presidente diga que o governador cassou a autonomia orçamentária e financeira do Judiciário, que todo mês vem perdendo cerca de R$ 3 milhões no duodécimo que lhe é repassado pelo Executivo. Basta que o Doutor Lincoln explique ao ministro Cezar Peluzzo, presidente do STF, que no início até houve concordância da parte do Judiciário com aquela redução, porque o governador lhe disse que pegou o Estado liso e batendo.
Basta que o presidente do TJ esclareça, contudo, que logo no primeiro bimestre se viu que não havia motivo para tanto alarido em torno de um rombo no cofre estadual que em absoluto procedia, como mostrariam depois balancetes do próprio governo. Basta que o chefe do Judiciário estadual mostre ao chefe da mais alta corte federal que, além de não receber o caixa zerado, o atual governo foi brindado com um aumento de mais de 30% nas receitas do Estado no primeiro semestre de 2011.
Basta que o jurista daqui exponha ao jurista de lá que em apenas seis meses entraram no cofre do Estado nada menos que R$ 3,5 bilhões e o governo dispõe de mais R$ 2 bilhões para investimentos assegurados desde o governo anterior. Alternativamente, se não quiser ir por esse caminho, a Excelência judiciária pode alegar que a intervenção federal se justifica porque sob o comando do atual Excelência executiva o governo só cumpre decisões judiciais quando quer.
Doutor Lincoln pode até citar o caso dos servidores do antigo Ipep – absurda, arbitrária e cruelmente prejudicados pelo atual governo, que lhes cassou reajuste implantado por decisão da Justiça transitada em julgado há mais de dez anos. O chefe do Judiciário Estadual pode, enfim, comunicar ao chefe do Judiciário Federal que uma intervenção na Paraíba justificar-se-ia ainda pelo fato de o governo não vir respeitando, também, a autonomia da Defensoria Pública do Estado.
Pra reforçar o argumento e facilitar o convencimento do ministro Peluzzo, o desembargador Lincoln pode muito bem lembrar que subsídios suplementares para uma eventual decisão de intervir podem ser encontrados na Procuradoria Geral da República. Porque é lá, na PGR, que se encontra pedido de intervenção federal na Paraíba encaminhado pelo procurador da República Duciran Farena a pedido das entidades que representam os defensores públicos estaduais.
O que diz a Constituição
Segundo o inciso IV do artigo 34 da Constituição Federal, a União não intervirá nos Estados, exceto para, entre outros motivos relevantes, “garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação”. Já no inciso VI do mesmo artigo, a Constituição diz que a União poderá intervir nos Estados também para “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial”. E no inciso VII prevê que a intervenção deve ser feita se for para assegurar que os governos estaduais respeitem os princípios constitucionais, entre eles a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático.
Bem, essas são as boas notícias, ou seja, existem os motivos, o interesse, a legitimidade e a lei para um pedido de intervenção no Estado da Paraíba, por conta do que o atual governo vem fazendo de forma a mais arbitrária e autoritária possível.
A má notícia é que os próprios juristas reconhecem que na prática é muito difícil uma intervenção, porque existe também um princípio constitucional tão valioso quanto os já citados ou até maior, para alguns, que é o princípio da não intervenção. Outra coisa: intervenção não significa deposição do governador legitimamente eleito. Ela deve durar até que sejam resolvidos os problemas que deram causa ao ato, que se materializa através de decreto presidencial.
De qualquer sorte e forma, seria bom. Até para o Doutor Ricardo aprender e saber que não está acima das pessoas e das leis. Quem sabe desse jeito ele não voltaria ao cargo mais manso, amaciado ou, enfim, finalmente republicano. De uma coisa eu tenho plena certeza: não pode é continuar do jeito que está e não se admite omissão de qualquer autoridade no dever de pedir uma intervenção que, nesse momento, revela-se oportuna e do mais elevado interesse público.
Não se concebe o não enfrentamento dessa questão, ainda mais quando tantas e tão sérias razões repousam sobre a mesa e corroem o orçamento de quem comanda o Poder prejudicado. Lembrando, por fim, que essa corrosão significa perdas enormes de qualidade e quantidade nos serviços que o Poder deve prestar, inclusive porque tais serviços são financiados e pagos pelos impostos de todos os jurisdicionados.
Tem dinheiro pra pagar
O advogado Roosevelt Vita protocolizou ontem no Tribunal de Justiça do Estado um memorial no qual alerta o presidente da Casa para a impropriedade que seria atender à insistência do governador Ricardo Coutinho em derrubar a sentença que beneficiou os servidores do velho Ipep com a restauração dos salários pagos até janeiro deste ano.
Pelo que entendi do Memorial, só quem pode suspender a execução da sentença favorável aos servidores é o Supremo Tribunal Federal (STF) ou o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se fizer o contrário, o presidente do TJ estará usurpando a competência dos tribunais superiores e contrariando decisão sobre caso semelhante que ele mesmo prolatou e foi publicada no Diário da Justiça do último dia 18 em desfavor da Prefeitura de Cabedelo.
No documento encaminhado pelo Doutor Vita chamou-me a atenção ainda a informação de que, além de tudo, existe no orçamento deste ano, aprovado ano passado, o dinheiro suficiente para pagar a melhoria salarial que a Justiça concedeu, o Cássio I implantou e o Maranhão III atualizou, reajustando as tabelas salariais do pessoal do hoje Iass a partir de agosto de 2010.
Bom, mas apesar de saber que para pagar a conquista dos servidores do antigo Ipep o Estado dispõe de R$ 35,9 milhões (para o ano todo, para mais de 1.200 funcionários, entre ativos e inativos), o Ricardo I suspendeu desde a sua primeira folha o que os titulares de tal direito tinham como líquido e certo.
Pelo que vi, ouvi e li, essa é uma perversidade típica de um governo que certamente não se importa nem mede as conseqüências de um ato como esse. Não se importa nem mesmo se o que faz e manda custa vidas humanas, como teria custado a de um servidor que vivia em Mamanguape e pôs termo à própria existência quando se viu sem o salário que lhe garantiria, entre outras coisas, pagar empréstimo que fizera por conta.