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Indústria de liminares atinge a Paraíba

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O jornal “Valor Econômico” informa que uma verdadeira indústria de liminares que já se espalhou por pelo menos sete Estados (entre os quais a Paraíba) tem tornado viáveis calotes aplicados em bancos que oferecem crédito consignado. Os alvos principais são convênios de empréstimo entre bancos com órgãos pagadores do setor público, a exemplo da Marinha, Aeronáutica, INSS, governos estaduais e prefeituras municipais. Por trás da indústria estão advogados, supostas associações de funcionários públicos e correspondentes bancários, os chamados “pastinhas”, que oferecem o serviço por indicação e até mesmo pela internet.

No interior da Paraíba, a 220 quilômetros de João Pessoa, o município de Picuí, com menos de 20 mil habitantes, recebeu mais de 5 mil ações revisionais de empréstimo consignado nos últimos dois anos. É como se um quarto de toda a população tivesse decidido entrar na Justiça para discutir os termos desse contrato financeiro. Os números são mencionados em um pedido de providências enviado ao Ministério Público pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional da Paraíba. De janeiro a setembro de 2012, foram 4.433 ações somente em Picuí, segundo o documento. Situação semelhante ocorreu em Barra de Santa Rosa, no curimataú. A pequena cidade, com 13 mil moradores, recebeu quase 1,3 mil ações revisionais de empréstimo consignado em 2011, chegando a representar 75% do total de demandas distribuídas na comarca, de acordo com o documento da OAB.

O juiz titular em Picuí, Mário Lúcio Costa Araújo, respondia também como substituto em Barra de Santa Rosa durante a enxurrada de ações. As liminares foram concedidas sem citar as instituições financeiras, para que pudessem se defender no caso, de acordo com o documento da OAB. “A expedição da carta citatória se dá, em regra, um mês após o cumprimento da medida, havendo, na maioria dos casos, indicação equivocada dos endereços dos réus”, diz o texto. A operação começa com uma ação judicial apresentada com a suposta intenção de questionar os juros cobrados pelo banco ou a validade do próprio contrato. Alguns clientes alegam que nunca tomaram empréstimo ou que não receberam do banco uma cópia dos documentos. Os advogados pedem liminar com duas determinações: suspender o desconto das parcelas da dívida na folha de pagamento e desbloquear a chamada margem consignável, percentual máximo do salário ou benefício, em geral de 30%, que pode ser destinado ao pagamento do empréstimo.

Com a concessão da liminar, o desconto é suspenso e o contracheque fica “livre” para que novas dívidas sejam contratadas pelo cliente. “A liminar funciona como um cheque em branco para tomar novos empréstimos”, diz o advogado Djalma Silva Júnior, que defende diversas instituições financeiras em processos envolvendo fraudes com empréstimo consignado. Imediatamente, um novo empréstimo é tomado em outro branco, no que já se tornou conhecido como ciranda do consignado. Silva Júnior identificou um caso em que a artimanha foi reproduzida nove vezes, em nome de um mesmo cliente, contra oito bancos. Com o novo empréstimo formalizado e o dinheiro em conta, o cliente desiste da ação judicial. O objetivo da ação, na verdade, não era questionar os juros ou a validade do contrato, mas, sim, conseguir a liminar e liberar a folha para novos empréstimos.

“Valor” apurou que 20 instituições financeiras grandes, médias e pequenas, já sofreram prejuízos milionários. A Associação Brasileira de Bancos informou já ter identificado mais de 28 mil processos desse tipo em diferentes comarcas do país. “Há uma quadrilha por trás disso”, diz o presidente da ABBC, Renato Oliva. A margem geral de inadimplência dos consignados do país é baixa em relação a outras modalidades de crédito – em torno de 4% a 5%. Segundo Oliva, 0,8% decorre desse tipo de fraude. Em alguns exemplos citados no pedido de providências, o ofício enviado pelo juiz ao órgão pagador para limpar a folha, liberando a margem consignável, foi expedido antes mesmo da liminar. Em outros, isso teria ocorrido em um momento anterior à própria distribuição do processo.