Idade excêntrica

Rubens Nóbrega

Cheguei lá! Completei 60 anos! O que eu pensava que só aconteceria aos mais velhos, terminou chegando a mim. E espero que ocorra a todos vocês, também, se já não aconteceu.
Logo eu que sou da geração que inaugurou o “Não confie em ninguém com mais de trinta anos…”!
Bom, o melhor é que não estou me sentindo velho. Sinto-me lépido e fagueiro. Danço a noite toda, se preciso. Frevo, twist, bolero, chá-chá-chá…
As cositas que me padecem já as tinha há muitos anos: dores lombares, e principalmente cervicais, que não configuram envelhecimento, pois desde os 24 me afligem.
Ter sessenta tem lá as suas vantagens. Por exemplo: passamos a passar uma idéia de respeitabilidade, que leva as pessoas a nos tolerarem mais.
Somos mais ouvidos, embora isso não seja garantia de que seremos levados mais a sério pelos mais jovens.
Tem também algumas desvantagens, claro. Como, por exemplo, o tal tratamento preferencial.
Não se assustem, é muito bom, é uma conquista da sociedade civilizada, mas me priva de um dos meus maiores prazeres: ler na fila do banco!
Já teve ocasião em que voltei para o fim da fila, pois não havia terminado o capítulo… Explico: tenho sempre uma leitura para todos os poucos momentos livres que me surgem.
Tenho a leitura de cabeceira (geralmente o livro mais profundo); o livro para filas (bancos, INSS, Detran, casa lotérica…), geralmente leitura ligeira.
Tenho ainda a revista do banheiro, o jornal para a refeição solitária, as palavras cruzadas para esperar a esposa.
Tem também a Luluzinha para ler para a neta, quando vai usar o banheiro. E por aí vai.
Mas o bom da melhor-idade é poder exercitar o meu melhor anarquismo!
É poder escolher uma religião que não seja por medo, que atenda às nossas reais necessidades ideológicas. Ou não ter medo de não ter nenhuma, e respeitar e tolerar a dos outros.
É poder ser de esquerda por pura ideologia, por diletantismo, sem precisar utilizar um linguajar besta, pedante, estereotipado.
Do tipo “Caros e caras”, “Todos e todas” ou “Posso fazer uma colocação?”. Ou “Afro-afetivos” e “Homo-descendentes” (ou vice-e-versa?).
Ou mesmo “Eu, enquanto gestor” ao invés de “Eu, como gestor”, por exemplo.
Ou ainda chamar prédio de “equipamento”. E por aí vai…
É poder dizer coisas que os mais jovens não se atrevem, como a opinião sobre determinados canalhas. Sobre o juiz falsa-moral. Ou sobre aquele colega medíocre. O parente cretino. Ou mesmo aquele político safado.
Coragem não nos falta. Pois já estamos “com a vida ganha”, com o conceito formado. Não temos nada a perder, portanto. E as besteiras são debitadas na conta da idade.
Fiquem tranqüilos: as nossas tolices não serão rotuladas como loucuras. Serão atribuídas tão somente às coisas da nova idade. Serei, no máximo, chamado de excêntrico.
E assim, chegou a hora da aposentadoria. Falei para a esposa, que perguntou:
– E o que é que você vai fazer, aposentado?
Ao que respondi:
– Vou matar a minha inveja daqueles que tudo podem fazer. Vou ler tudo o que não tive tempo. Vou vestir um pijama listrado e seguir para a Praça João Pessoa, conversar potoca com os outros aposentados e vaiar o governador de plantão ou o deputado que aparecer.
E disse mais:
– Vou jogar xadrez e dominó na Praça Castro Pinto. Vou para o Ponto Cem Réis, engraxar os sapatos, tomar café e assistir aos espetáculos dos artistas populares. Irei à Bica e à praia com mais freqüência. Tudo isso de pijama.
Já encomendei o meu pijama. Listrado.

(Assina) José Mário Espínola, Novel Debutante.
Agradecendo
Recebi essa fantástica colaboração do Doutor Zé Mário desde o último dia 16 e guardei para o Natal. É o meu presente para os leitores.
Principalmente para aqueles da melhor idade. Alguns certamente vão se sentir muito bem representados pela figura que o autor concebeu para viver o sessentão excêntrico que pode vir a ser.
É bem verdade que um escrito de tamanha qualidade e criatividade merecia lugar mais nobre e adequado, ao lado de Gonzaga, Bráulio ou Mica, na página reservada aos articulistas e editorial, neste primeiro caderno.
Poderia ter pedido o espaço à editora Angélica Lúcio para o artigo do Doutor, mas, depois de ler e reler e concluir que essa seria a crônica que eu gostaria de escrever se chegar aos sessenta, resolvi ‘ficar com ela pra mim’.
E agradeço ao autor pela confiança e generosidade, agradecimento que faço tranquilamente em nome de todos que me concedem o carinho e a paciência da leitura diária.
Faz gosto ver
A exposição ‘Desconstruindo Preconceitos e Cultivando Igualdade1, aberta desde 1º de dezembro, vai até 5 de janeiro no Imaa Ateliê de Artes, nos Bancários, Capital.
É coisa da Casa Casa Pequeno Davi, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do ateliê do artista plástico Ilson Moraes.
Também expõem Gunga Rodrigues, Eulâmpio, Sílvio Feitosa, Fred Svendsen, Wilson Figueiredo, Ana Viana, Paulo Aurélio e Carlos Djalma.
A Casa Pequeno Davi é organização não-governamental sem fins lucrativos, fundada em 1985, que oferece educação, arte e lazer para crianças e adolescentes do Baixo Roger.