Holocausto paraibano - Rubens Nóbrega

Aconteceu semana passada, em Catingueira. Mas podia ter sido – e deve ter acontecido e pode estar acontecendo igual – em Brejo do Cruz, em Manaíra, em Gurjão, em Dona Inês… Em qualquer lugar da Paraíba, enfim.

Mas, se o caso se passou em Catingueira, deu-se mais ou menos do jeito que conto agora e começou quando o burro de Zé da Carroça desembestou, a carroça virou e o pobre, coitado, caiu dentro de um barranco na beira da estrada.

Na queda, quebrou duas costelas. Foi levado para um hospital em Patos, onde não havia médico para atender.

No atendimento possível, uma enfermeira amarrou a barriga de Zé com uma faixa, deu-lhe um analgésico e mandou que ele voltasse para casa ou passasse direto para Campina.

Sem condições de esticar a viagem no mesmo dia, familiares e amigos de Zé resolveram com ele que seria melhor voltar pra casa e tentar a ambulância da Prefeitura no dia seguinte, para aventurar melhor assistência em Campina.

À noite, contudo, Zé começou a passar mal, a sentir fortes dores e uma febre que só fazia aumentar. De madrugada correram com ele de volta para o hospital de Patos, mas não deu tempo. O doente morreu a caminho.

A necropsia revelaria depois que Zé foi acometido de infecção generalizada. Uma das vértebras deslocados no impacto do acidente perfurou o estômago ou intestino do carroceiro, um pobre sertanejo de 62 anos.

Dois dias depois da morte de Zé, o filho mais novo dele, de 30 e poucos anos, foi bater em Campina atrás de hospital e médico porque estava com uma dor de cabeça grande que não passava com remédio nenhum.

Mas em Campina o filho de Zé nada conseguiu. Veio bater, então, no Trauma da Capital, onde se encontra há mais de suas semanas. Sobre uma maca no corredor do hospital, aguarda por uma tal de ressonância magnética.

Disseram-lhe que um exame do tipo demora 35 dias, em média, para ser feito. Coisas da ‘Nova Paraíba’.

Disseram-me que o rapaz tem um tumor na cabeça e precisa urgentemente fazer a ressonância para saber se pode ou não ser operado, se tem ou não chances de viver pelo menos até empatar o tempo que o seu velho pai passou neste mundo.

Com todo esse aperreio, o filho de Zé só tem certeza de uma coisa: se estivesse vivendo noutro canto diferente da Paraíba de hoje, seu pai estaria vivo e ele não estaria vendo a hora a morte chegar sem lhe dar chance de tentar viver um pouco mais.

 

‘Indignos de viver’

Potenciais usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) feito Zé da Carroça e o filho estão se transformando em ‘comedores inúteis’, ‘indignos de viver’ na ‘Nova Paraíba’, segundo The Doctor.

Isso ele foi buscar no baú da literatura que se reporta à Alemanha nazista. ‘Comedores inúteis’ e ‘indignos de viver’ são definições importadas direto do Holocausto, sem escalas, para explicar a realidade presente em nosso Estado.

Uma realidade progressivamente preocupante, além de triste, deprimente mesmo, que evoca todo o horror da Segunda Grande Guerra na comparação feita por The Doctor em mensagem que me enviou no domingo, 1º de maio.

O remetente é do ramo. Conhece como ninguém o que está falando. Vale muito a pena partilhar com vocês o que ele mandou dizer. Confiram no tópico a seguir, todo de uma escrita que corta na consciência feito bisturi. Deixo vocês com ele, The Doctor.

 

Diga aí, doutor

Rubens, ultimo a leitura do livro “Médico em Auschwitz” que narra a história do Patologista Húngaro Miklos Nyislzi naquele campo de concentração e extermínio durante a II Guerra.

A semelhança com a situação dos hospitais no Brasil e na Província dos Girassóis é impressionante.

Os trens trazendo os ‘comedores inúteis’, ‘indignos de viver’, para serem assassinados nas câmaras de gás e queimados nos fornos crematórios são as ambulâncias trazendo os doentes e acidentados de toda parte.

Enquanto isso, pessoas se amontoam em precárias condições de acomodação e falta de assistência adequada.

Enquanto isso, médicos e demais profissionais de saúde são encarregados de escolher quem vai morrer de imediato ou quem alguma sobrevida vai merecer.

Testemunhamos um dia-a-dia miserável de dor, sofrimento e morte.

São os equivalentes dos Sonderkommando, os judeus encarregados de operacionalizar a máquina de extermínio dos seus irmãos e que recebiam uma ração (salário) diferenciada e acomodações menos indignas. No entanto, esses mesmos também eram executados ao fim de exatos quatro meses.

Lula na campanha de 2002 dizia que sua primeira esposa falecera no parto por falta de assistência adequada e que, como Presidente, tudo faria para melhorar a saúde dos brasileiros mais pobres.

Acompanhamos o tratamento da Presidente Dilma contra um câncer do sistema linfático.

O Prefeito Luciano Agra há poucos anos quase morre de hemorragia digestiva. Campanha para doação de sangue fizeram nas rádios.

Tudo isto de conhecimento público.

É natural que pessoas que passam por um grande sofrimento se tornem mais humanas e mais sensíveis ao sofrimento alheio.

Não parece ser o caso dessas acima citadas.

Até agora tudo piora. E no final a culpa sempre recairá sobre aqueles que sacrificam suas vidas numa existência suicida sem se dar conta de toda essa ideologia opressora e genocida.

Que, infelizmente, conta com a conivência de boa parte da Imprensa, Ministério Público, Judiciário e Conselhos Profissionais.

Citando Dante, “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate”.

The doctor.