Herói morto vale menos na Paraíba

Rubens Nóbrega

Olhando com atenção e pensando direitinho, não há como não reconhecer: nossos policiais são uns verdadeiros heróis, como diz o chavão. Tome-se como parâmetro a maioria da tropa, mas dela o povo paraibano não pode nem deve esperar – muito menos cobrar – qualquer heroísmo extremo, do tipo que acaba em morte.

Entre outros motivos, porque um herói morto da Polícia da Paraíba, do ponto de vista da remuneração, vale pelo menos 40 por cento menos do que um herói vivo, garantiu-me o Coronel Francisco, presidente do Clube dos Oficiais da Polícia Militar, com quem conversei esta semana sobre agruras, carências, expectativas e esperanças da nossa força pública.

Sobre as conse- quências de aposentadoria ou morte na nossa Polícia, ele me confirmou algo de que já desconfiava: a baixa honrosa da corporação e da vida inevitavelmente lançará os dependentes de um policial paraibano a uma desonrosa e ultrajante penúria, não importando se for militar ou civil.
Sendo de baixa patente, então, nem mesmo a promoção post mortem alivia a barra dos órfãos e viúva que o morto deixar.

Eis uma situação, deplorável condição, que por justiça qualquer governo deveria corrigir, não permitindo que a reforma de policiais – ou a morte! – represente indesmentível e cruel punição pelos bons serviços prestados ao Estado.

Mas, da mesma forma que a gente não pode esperar muito de nossa Polícia, da presente administração estadual não dá pra esperar sequer um pouco.

Digo isso por várias razões, entre elas o constante tensionamento nas relações entre polícia e um governo que claramente não quer saber de valorizar nem qualificar a força policial.

Piorando o que já era ruim com seus antecessores, o governo que aí está também paga mal, muito mal aos nossos heróis, e se esmera na repressão judicial aos movimentos reivindicatórios dos policiais contra a baixa remuneração e precárias condições de trabalho.

Quem poderá nos salvar?

Com uma polícia mal remunerada, desmotivada e em grande parte mal preparada, a que tipo de segurança pública podemos aspirar?

Que proteção ou ‘defesa social’ podemos exigir do Estado se hoje vemos a classe média paraibana, novos ricos e emergentes da chamada classe C incorporando à sua rotina a impotência e perplexidade diante da escalada da criminalidade que transforma lares em fortalezas domésticas?

Resta orar e torcer fervorosamente para que um outro tipo de escalada, a social, liberte ou livre um número cada vez maior de pobres da marginalidade. Nisso dá pra acreditar porque é quase zero a influência de um governo de Estado como o nosso no processo macroeconômico.

Lamentavelmente, se depender da ‘capacidade’ de seus governantes, a Paraíba pouco ou nada pode oferecer de ajuda ao desenvolvimento do país ou ao crescimento do poder de compra das camadas populares. Resumindo, a barra de viver por aqui vem melhorando e deve melhorar ainda mais. Com, sem ou apesar do governo que temos.

Fora daí, não vejo salvação, por enquanto nem daqui a dois anos. Afinal, que otimismo resiste a um gestor que corta o seguro de vida dos policiais, que paga ‘gratificação’ por risco de morte apenas à Polícia Civil, como se os homens da Militar tivessem o corpo fechado, quando são no máximo imortais, mas pelo simples fato de que muitos deles não têm onde cair morto?

Decididamente, não dá para ter um mínimo de expectativa positiva em matéria de segurança pública se esse governo, como se fosse pouco, quebra a paridade entre ativos e inativos da Polícia (criando penduricalhos tipo bolsa, que agrega ao soldo), do mesmo modo como quebrou o compromisso de instituir o subsídio como forma de remuneração da Briosa.

Caso do soldado Michel

Já imaginou se a viúva do soldado Michel permitisse dolorosa e constrangedora invasão de privacidade por quem tivesse a curiosidade de conferir o holerite que era do marido e doravante terá o nome dela como titular? Com todo respeito, tomo o caso como exemplo que poderia dissipar qualquer dúvida ou enfrentar questionamentos às informações do Coronel Francisco acerca do que se passa na Polícia da Paraíba.

Michel, não esqueçamos, perdeu a vida no último final de semana sob as rodas assassinas de um motorista embriagado. Se tivesse sobrevivido ao atropelamento, mui provavelmente estaria fisicamente inutilizado para o trabalho policial e teria que ser reformado por invalidez. Com isso, também passaria a perceber em torno de 60% por cento da remuneração da ativa.

Por essas e outras, por vexames que Michel deve ter enfrentado quando vivo e pelo sofrimento que lega à sua descendência, vida e morte desse soldado se fundem na penosa constatação e dolorosa explicação do fato de a Paraíba de dez anos pra cá aparecer com destaque no ranking da violência.

Violência que responde pela insegurança sentida no dia-a-dia das pessoas de bem, a maioria vítima de crimes não notificados, subnotificados ou não apurados nas estatísticas oficiais manipuladas para efeito de propaganda.