Quem ganharia com isso? De forma substancial, os escritórios de advocacia que investiram no recrutamento de clientes e, em parte, esses clientes, detentores de depósitos de poupança quando foram feitos esses planos (junho de 1987, janeiro de 1989, março de 1990 e janeiro de 1991). Seriam pequenos clientes apenas? Nem tanto. Na época dos planos, 2% dos detentores de CPs comandavam cerca da metade desses depósitos.
Do outro lado haverá um golpe brutal no nível da atividade econômica e nas finanças públicas. Perderão o Brasil e sua população, com a consequente contração do PIB e dos empregos. Para os investidores internacionais, será uma demonstração definitiva da leviandade econômica das instituições brasileiras. Se as coisas já não vão bem, piorarão muito.
O ataque está baseado numa tese economicamente surrealista. Reivindica-se a devolução de supostas perdas havidas diante das mudanças de regras de correção das CPs por ocasião do congelamento de preços promovido pelos planos. Note-se que nas quatro ocasiões o País vivia um processo de superinflação caminhando para o total descontrole, o da hiperinflação, que liquidaria de vez com o já frágil padrão monetário brasileiro nas suas funções essenciais: unidade de medida, meio de pagamento e reserva de valor. Nesse contexto, seriam desmilinguidos todos os contratos de reajuste salarial e de indexação – nenhum encurtamento de prazos conseguiria evitá-lo, nenhum “direito adquirido” salvaria nada – paralelamente à desorganização da economia e da sociedade e à expansão da miséria e do desemprego.
Por diversos motivos os planos fracassaram, mas foram tentativas de salvar a moeda e a própria Nação. Representaram uma ação legítima do Estado em defesa da sua integridade. Note-se que a experiência acumulada desses fracassos, bem como o do Plano Cruzado (1986), foi essencial para a formulação e o êxito do Plano Real (1994). Os planos fracassaram no combate à inflação, mas ao menos mantiveram uma economia superinflacionária em funcionamento.
O sucesso para conter o galope inflacionário pressupunha tentativas de coordenar os reajustes dos diferentes preços e forçar a desindexação da economia, ou seja, a transmissão automática da inflação passada para o futuro. Seria impossível fazê-lo mantendo todos os contratos estabelecidos. Daí as mudanças de indexadores e as tablitas.
Num voto proferido há três anos, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, defendeu a tese de que cabem, sim, indenizações, em razão das mudanças na indexação da poupança, alegando que os bancos têm tido lucros elevados e poderiam pagar por isso. Ledo engano.
Primeiro, os bancos que recebiam depósitos de poupança só fizeram adotar os novos índices determinados em lei, senão seriam punidos. Mais ainda, as mudanças dos índices não proporcionaram ganhos extras ao sistema bancário da época, até porque o crédito imobiliário também adotou esses índices, e os recursos da poupança que não iam para imóveis tinham de ser recolhidos ao Banco Central, com o mesmo rendimento.
Tampouco há indenização a ser paga. Os rendimentos reais dos detentores de CPs aumentaram nos meses seguintes aos da deflagração dos planos precisamente por causa da queda da inflação. Não se trata de exercício de opiniática, mas de números, calculados por Bernard Appy em excelente estudo: um cidadão que aplicou na poupança um mês antes e sacou tudo dois meses depois teve ganhos reais de 16,9% no Plano Bresser, 10,4% no Plano Verão e 42,6% no Plano Collor 1. No Collor 2, nem ganhou nem perdeu. Apesar disso, as ações judiciais pleiteiam um reajuste adicional de 20% no caso do Plano Verão e mais de 40% no do Collor 1!
A pancada sobre a economia nacional, ou o montante a ser pago se o acolhimento ocorrer, será da ordem de R$ 150 bilhões, valor que pode crescer pelos juros de mora e efeitos de encadeamentos judiciais para trás e para a frente – os fundos de pensão, por exemplo, estimam uma perda de R$ 40 bilhões. Como lembrou Appy, esses R$ 150 bilhões já representariam 35% do patrimônio líquido de todo o sistema bancário – sete pontos porcentuais a mais que a perda de capital dos bancos americanos na crise do subprime!
De fato, quem pagará a conta será principalmente o Tesouro Nacional, pois mais da metade da poupança estava na Caixa Econômica Federal (CEF) e no Banco do Brasil (BB), que em 2008 absorveu a Nossa Caixa. Portanto, sob pena de o BB e a CEF quebrarem, o governo teria de bancar o prejuízo – algo em torno de R$ 78 bilhões.
Já os bancos privados teriam de elevar seus spreads e/ou cortar seus créditos. Para cada real perdido, R$ 9 a menos de crédito. É obvio que os bancos iriam pedir – e com razão! – a devolução de Imposto de Renda que recolheram no período dos planos, tudo corrigido pela inflação e pagando os juros de mora: mais algumas dezenas de bilhões de exigências adicionais sobre o governo federal.
Em síntese, se acolhidos os recursos, 1) os bancos públicos estarão encalacrados; 2) o Tesouro terá de socorrê-los para que não quebrem; 3) dinheiro público terá de ressarcir também instituições privadas; 4) sobrevirá uma enorme instabilidade econômica; 5) o conjunto dos brasileiros arcará com os custos de uma visão de “direito adquirido” que desafia a matemática e as regras elementares de funcionamento da economia. Ninguém, mas ninguém mesmo, tem o direito adquirido de quebrar o País.