Justiça mantém racionamento de água em Campina Grande
A juíza Ana Carmem Pereira Jordão, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campina Grande, determinou a permanência do racionamento de água do Açude Epitácio Pessoa, com acréscimo do domingo ao fornecimento regular de toda área abrangida pelo manancial. A decisão foi proferida nesta segunda-feira (21) nos auto da ação civil pública (65) 0814364-54.2017.8.15.0001, promovida pela Defensoria Pública do Estado da Paraíba.
Na ação, a Defensoria alega que o término do racionamento de águas do Açude Boqueirão no dia 26 próximo, ocasionaria prejuízo ou dano ambiental ao próprio açude, bem como maiores insegurança a toda a população que dele depende, dada a incerteza hídrica quanto a possibilidade deste de suportar um abastecimento integral de mais de 700.000 pessoas, ainda em sua capacidade baixa.
Abaixo a decisão:
Vistos etc.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA PARAÍBA, alhures qualificados, por intermédio dos Defensores Públicos regularmente habilitado, interpôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela de urgência inaudita altera parte em face do ESTADO DA PARAÍBA e CAGEPA – COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTOS DA PARAÍBA, igualmente identificados, alegando os fatos a seguir expostos.
Narra a parte, em sua exordial, que até o dia 08 de março último, data da inauguração do eixo leste da transposição do Rio São Francisco, contava o Açude Epitácio Pessoa – vulgarmente denominado de Açude de Boqueirão – com uma capacidade aproximada de 2,8%, tido como pior nível de toda a história.
Ocorre que, muito embora, tenha o referido açude apresentado sensível crescimento deste então, assevera o promovente que o aumento da capacidade ainda está aquém do esperado e ainda com mera expectativa de saída do denominado “volume morto” em data próxima, devido a vazões inesperadas e possíveis desvios das águas, além de fatores outros, dentre os quais questões climáticas e/ou de logística de distribuição de águas da transposição.
Apesar disto, segundo aduz, consta como data prevista para o término do racionamento de águas do Açude Boqueirão o dia 26 de agosto próximo, o que, segundo o autor, ocasionaria prejuízo e/ou dano ambiental ao próprio açude, bem como maiores insegurança a toda a população paraíba que dele depende, dada a incerteza hídrica quanto a possibilidade deste de suportar um abastecimento integral de mais de 700.000 pessoas, ainda em sua capacidade baixa.
Nesse sentido, requer a concessão de tutela de urgência inaudita altera parte a fim de “se determinar aos entes requeridos que mantenham o racionamento de água, ou que, pelo menos, tal racionamento não seja definitivamente encerrado, até que se comprove cristalinamente que não haverá qualquer prejuízo ao Açude Epitácio Pessoa e à população que desse açuda dependa”.
É o relatório. Decido.
Cuida-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência, pugnando o autor provimento judicial determinando que seja mantido o racionamento das águas provenientes do Açude de Boqueirão, até que este alcance níveis mais confiáveis de volume hídrico e/ou que os desvios grotescos de milhões de metros cúbicos sejam coibidos, bem como que os requeridos apresentem provas que o açude suportará o término do racionamento sem entrar em novo colapso.
Inicialmente, cumpre consignar que para a concessão de tutela de urgência é indispensável constatação de seus requisitos autorizadores, em decisão fundamentada, quais sejam: a) a probabilidade do direito, exigível e prova inequívoca da alegação; b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, que reside no periculum in mora, este acompanhado de circunstâncias fáticas objetivas, que possam ser, de plano demonstradas. Imprescindível, também, que não haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório.
O conceito de prova inequívoca é apresentado pela doutrina:
“O termo prova inequívoca certamente representa a exigência de que a prova pré-constituída utilizada pelo autor para solicitar a antecipação da tutela tenha, ou possua, uma intensa capacidade para convencer o juiz da real probabilidade dos fatos terem ocorridos como alega o demandante e, mais do que isso, para convencê-lo de que em face do quadro fático é bem mais provável que o direito afirmado realmente exista”.
( In, COSTA MACHADO, ANTÔNIO CLÁUDIO. Tutela Antecipada. 3 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 399.)
Logo, cumpre a parte interessada apresentar acervo probatório apto a formar o convencimento do juiz quanto à verossimilhança das alegações.
À colação coadunável aresto:
“Para a concessão da tutela antecipada são necessários, além dos requisitos inerentes à medida cautelar, aqueles outros, denominados de ‘prova inequívoca’ e ‘verossimilhança’. Não demonstrados de plano, ausente base legal para o deferimento da presente”. (TJMG, AI n.° 1.0702.06.324533-7/0001, rel. Des. Geraldo Augusto, DJ 02/03/2007.)
No caso dos autos, em sua peça de ingresso persegue a parte autora a não suspensão do racionamento de águas do Açude de Boqueirão previsto para ocorrer no próximo dia 26 do mês em curso, sob a alegação de incerteza híbrida decorrente do baixo nível do volume de águas atuais do referido açude, bem como em prol da segurança ambiental do mesmo. Segurança ambiental esta que coincide com a própria concepção jurídica dos princípios da prevenção e precaução.
Como se sabe, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado representa direito de terceira geração, constituindo prerrogativa jurídica de tutela coletiva. Trata-se de direito difuso, porquanto materializa poderes de titularidade coletiva e consagra o princípio da solidariedade (MS 22164, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/1995).
Em se tratando de questões que envolvem intervenção no meio ambiente, é necessária extrema cautela por parte do julgador ao decidir, uma vez que os danos ambientais que podem se originar de uma intervenção mal sucedida podem ser de impacto incalculável e irreversível, configurando mácula ao direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitucionalmente previsto no art. 225 da Carta Magna.
Tenho, ainda, conquanto seja defeso ao Poder Judiciário, em regra, adentrar no mérito dos atos administrativos de efetivação de políticas públicas, não constitui ingerência indevida a atuação do Judiciário quando impõe ao Executivo o cumprimento de obrigação constitucional e legal, relativamente à qual se posta ação o administrador, notadamente quando esta implica violação a direito fundamental do indivíduo.
Na esteira do entendimento do colendo STJ, é possível que o Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional dos atos administrativos, além de avaliar a legalidade dos aspectos formais do procedimento, possa anular ou reformar ações de ente público quando não observarem os princípios abalizadores de proteção ao meio ambiente
Nesse sentido:
“(…)
5. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a tendência atual da doutrina e da jurisprudência, que reconhece a possibilidade de controle judicial da legalidade “ampla” dos atos administrativos. Como muito bem decidido pelo Tribunal, “em se tratando de direitos da terceira geração, envolvendo interesses difusos e coletivos, como ocorre com afetação negativa do meio ambiente, o controle deve ser da legalidade ampla”, ou seja, se o ato administrativo (no caso o licenciamento ambiental) afronta o sistema jurídico, seus valores fundamentais e seus princípios basilares “não podem prevalecer.
(…)”.
(STJ, REsp 938484 / MG RECURSO ESPECIAL 2007/0070337-2 , Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 08/09/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 23/04/2010) Grifei
Num exame primeiro, percebe-se que além dos impactos ambientais, há também o cunho social da medida. Ora, com a suspensão do racionamento de água poderá ocorrer agravamento da já latente crise hídrica, o que, evidentemente, poderá ser demonstrado de forma contrária no decorrer da instrução através de laudos técnicos.
Ainda em desdobramento, é fato público e notório que os sacrifícios com o racionamento são depreendidos pela parcela mais carente da comunidade, a quem os efeitos alastram-se de forma colossal.
Assim, entendo que, em respeito ao princípio da prevenção, verdadeiro sustentáculo do direito ambiental e tendo em vista a primazia do interesse público devem ser deferidas as medidas preventivas necessárias, mais ainda quando se verifica a segurança hídrica de toda uma população e o impacto por ela causado.
O perigo de dano é evidente, porquanto a suspensão do racionamento de água pode acarretar prejuízos de difícil reparação ao meio ambiente ou mesmo irreparáveis, consistentes na real possibilidade de tornar o Açude Epitácio Pessoal sem condições de arcar com o abastecimento da população da região.
É necessário, portanto, avaliar as condições específicas do caso concreto, sobrelevando-se, nesse particular, o princípio da máxima efetividade do processo coletivo, do qual decorre, dentre outras manifestações, o papel do juiz de suprir as lacunas probatórias do processo, de maneira ainda mais acentuada de como já ocorre no processo civil tradicional.
No caso em apreço, em prestígio a princípios basilares de Direito Ambiental, como o da prevenção, entendo que há a possibilidade se deferir em parte a tutela pleiteada, para que os requeridos se abstenham de suspender o racionamento de águas do Açude Epitácio Pessoa “Açude de Boqueirão”. No entanto, o racionamento deverá ocorrer de forma mai branda, permitindo fornecimento de água a toda zona abastecida pelo referido manancial, durante o final de semana, sob pena de multa.
Para maior clareza, a tutela será concedida em parte, permanecendo a alternância dos dias de racionamento, mas em todas as localidades haverá o regular fornecimento de água durante os domingos, o que atualmente não se verifica.
ISTO POSTO, defiro em parte a tutela de urgência pleiteada, determinando a permanência do racionamento de água do Açude Epitácio Pessoa, com acréscimo do domingo ao fornecimento regular de toda área abrangida pelo manancial.
Visando o resultado prático da medida, fixo multa diária de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), para o caso de descumprimento.
Fica a parte autora intimada na pessoa de seu advogado (NCPC, art. 334, § 3º), para tomar ciência do inteiro teor desta decisão.
Nos termos do art. 17, §7°, da Lei n. 8.429/92, notifiquem-se os requeridos para, no prazo de 15 dias, ofertar manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações.
Intime-se o Ministério Público da Paraíba para, na condição de fiscal da Lei, intervir no presente feito, nos termos do Art. 5°, §1°, da Lei n. 8.429/92.
Cumpra-se com a urgência devida, expedindo-se MANDADO DE URGÊNCIA.
Campina Grande, 21 de agosto de 2017.
Ana Carmem Pereira Jordão
Juíza de Direito – Em substituição
Fonte: OSGUEDES