Rubens Nóbrega
Não, definitivamente, aquele não era o momento. Ele, José, de aviso prévio. Ela, Maria, ‘se matando’ de estudar para o vestibular. Tanto cuidado que tiveram!… Mas tanto, tanto mesmo, que demorou cair a ficha quando pegaram o resultado do exame.
Não havia a menor dúvida, contudo. Maria estava grávida. E a gravidez inesperada ameaçava o plano de vida a dois que incluía lutar bastante para se formar em curso superior de qualidade e conquistar emprego bom e estável via concurso público.
Foi com todas essas possibilidades de futuro e dificuldades de presente fervendo no juízo que naquele dia José pulou da cama, tomou café ligeiro e correu para o ponto do ônibus onde embarcaria no 0712 quase vazio da linha 304 do Castelo/Pedro II.
Ainda remoendo inseguranças e incertezas no pensamento, José sentou-se no banco logo atrás do motorista, que fica separado dos passageiros da retaguarda por apenas um tampo de vidro onde costumam colar cartazes anunciando eventos diversos.
Mal se ajeitou na cadeira, José tomou um susto ao ver e ler o cartaz à sua frente. Nada de publicidade de governo, nada de forró em Bayeux, nada de vaquejada em Campina ou abertura de novas vagas na mais nova faculdade particular da Capital.
O cartaz que impactou José trazia silhueta de mulher com barriga de poucos meses e os seguintes dizeres: “Estou grávida… E agora?”. Abaixo, em letras menores, “Se você engravidou, não se planejou e não sabe o que fazer, entre em contato”. No rodapé, um número de telefone e um endereço de i-meio.
José não vacilou um segundo. Sacou o celular e ligou para Maria, a quem contou sobre a alternativa em cartaz. Do outro lado da linha, sem muita firmeza ela concordou que ele ligasse para o número indicado.
Autorizado, nem esperou descer do ônibus. Fez o contato quando ainda faltavam três paradas para a Escola Normal, o mais próximo do jornal onde arranjara emprego de diagramador e fora demitido há pouco.
José não teve a menor dificuldade em marcar uma ‘consulta’ com a voz feminina e muito gentil que o atendera. Mesmo assim, estava decidido a acompanhar Maria até lá. Podia ser perigoso. Sabe como é… Nessas clínicas… Foi. Foram.
No dia e hora aprazados, a moto que José tomara emprestado de um colega de trabalho estacionou na calçada da casa de uma granja bem instalada e bem discreta que fica nos arredores da cidade. Só não dá pra dizer exatamente onde. Deu trabalho achar. Tanto que se perguntarem nenhum dos dois vai saber ensinar o caminho direito.
Foram recebidos no portão do terraço por uma moça magrinha, miudinha, toda vestida de branco, um branco bem limpinho, mais alvo do que azulejo de hospital antigo. João reparou que a barra da roupa da mulher batia no mocotó. Achou estranha aquela vestimenta para uma enfermeira. “Parece mais freira”, pensou.
A mulher magrinha e miúda conduziu o casal até uma sala grande onde se encontravam mais duas iguais a ela, vestidas como ela, sentadas atrás de um birô vigiado por um crucifixo de madeira. Entre as mulheres, um galego alto e forte do olho azul, cabeça branca, usando óculos ‘fundo de garrafa’, calça e camisa jeans.
Deu pra ver a estatura do sujeito porque ele estava de pé quando o casal entrou no recinto que parecia ser o principal da casa. O galego saiu de trás do birô e foi até o meio da sala cumprimentar José e Maria. Para surpresa e encabulamento dos dois, o cidadão deu-lhes boas vindas com afetuoso abraço e chamou-os de ‘abençoados’.
Hora e meia depois…
“O procedimento foi bem sucedido, tudo transcorreu normalmente”, diria um boletim médico acerca de situações parecidas com aquela. De fato, não houve qualquer problema. O galego e suas auxiliares foram super bacanas com o casal. José e Maria deixaram a granja bem tranquilos e bem seguros da decisão que tomaram.
De volta às suas casas, trataram de contar aos familiares toda a história. Como é fácil prever nessas horas, alguns parentes, entre os quais o pai dela, não reagiram legal. Ficaram meio desgostosos com a notícia. Bem, não importa. Tudo agora é coisa do passado. Hoje, meu Deus, só vendo!
Pense uma criança paparicada, com todos à sua volta fazendo os gostos! Começando pelo avô, que a todos os amigos e conhecidos se gaba de ter “o neto mais bonito e mais inteligente do mundo”. E aí de quem discordar, porque enfrentaria também a ira dos tios, tias e, principalmente, dos padrinhos.
Padrinhos que vêm a ser o cidadão e a ‘freirinha’ que receberam o casal na bendita granja aonde José e Maria foram buscar a solução aparentemente mais conveniente de lá saíram convencidos de que uma vida a mais jamais atrapalharia a vida deles. O ‘abençoado’, assim o galego chama o afilhado, é uma bênção para os seus pais.
Baseado em fatos reais
História semelhante a essa que acabei de contar aconteceu de fato. E existe de verdade o serviço de aconselhamento que rodou ou ainda roda em cartazes afixados nos ônibus. Soube dessas coisas graças a Adriano Marinho, Mestre em Informática que vez por outra me agracia com sua qualificada colaboração.
Trata-se, pelo visto, de criativa ‘pegadinha’ armada muito provavelmente por uma ong pró-vida. Funciona. O casal recorre ao serviço na pretensão de um aborto e de lá volta pra casa de cabeça feita, já pensando em enxoval, pré-natal, maternidade…
Pra fechar, um esclarecimento: defendo o direito de a mulher praticar aborto sob assistência de serviço médico especializado quando o parto representar risco de morte ou dano irreparável à saúde física ou emocional da gestante e do bebê, seja em decorrência de anencefalia ou nos casos de gravidez causada por estupro.