As manifestações de rua previstas para hoje, em todo o País, preocupam o Palácio do Planalto. O receio é de que os protestos sirvam para puxar uma perigosa onda de mobilização pela saída do presidente Michel Temer, como aconteceu com Dilma Rousseff, deposta em agosto por um processo de impeachment. Na avaliação do governo, o Congresso contribuiu, nos últimos dias, para aumentar a tensão política, ao aprovar um pacote que desfigurou as medidas contra a corrupção.
Sem conseguir reduzir sua impopularidade e sofrendo um revés atrás do outro na economia, Temer procura escapar de eventos em locais abertos desde que assumiu o cargo, há seis meses, mas ontem, após ser criticado, compareceu ao velório de jogadores da Chapecoense e jornalistas na Arena Condá, em Santa Catarina. A “voz das ruas” também foi a justificativa usada pelo presidente, há uma semana, ao anunciar que jamais sancionaria uma proposta de anistia a caixa 2, caso a iniciativa fosse aprovada pela Câmara. Foi surpreendido, porém, com críticas de tucanos, para quem a fala expôs a fragilidade do governo.
O comportamento do PSDB na crise tem causado estranheza a Temer e até ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na quarta-feira, por exemplo, o presidente soube que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) participou da articulação para tentar votar, a toque de caixa, o pacote aprovado pela Câmara, no qual foi embutido o crime de abuso de autoridade contra juízes, procuradores e promotores.
A manobra foi conduzida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas acabou se transformando em um fiasco. Informações que chegaram ao Planalto – muitas delas vindas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – dão conta de que Renan, hoje réu em ação penal por peculato, será o principal alvo das manifestações deste domingo, ao lado de bandeiras pedindo o fim da corrupção.
Interlocutores de Temer disseram ao Estado, porém, que a desastrada operação do presidente do Senado provocou ainda mais repúdio da população à classe política, respingando no Planalto. O governo esperava esfriar os protestos ao anunciar posição contrária ao caixa 2, e sair das cordas com uma “agenda positiva”, mas, diante de tantos problemas, a semana serviu para elevar a temperatura da crise. De quebra, trouxe más notícias na economia, com a divulgação da sétima queda consecutiva no desempenho trimestral do Produto Interno Bruto (PIB).
Fritura. Em conversas reservadas, auxiliares de Temer também identificaram um movimento do PSDB para “fritar” Meirelles, cobrando resultados mais rápidos na economia, que enfrenta a mais profunda recessão dos últimos anos. Não é à toa que, com tanta pressão, Temer confidenciou a amigos que ampliará o espaço do PSDB no governo, na reforma da equipe planejada para 2017. “Nós conversamos com o presidente e dissemos que o que mais nos preocupa é o desemprego. Mas não tem nada dessa história de enfraquecer Meirelles”, afirmou o senador José Aníbal (PSDB-SP).
Pesquisas em poder do Planalto indicam que o desemprego, a falta de dinheiro e a revolta com os malfeitos na política são os “gatilhos” que jogam combustível nas manifestações de rua e podem impulsionar o “Fora, Temer”.
Sob ameaça das delações de executivos da empreiteira Odebrecht – que fecharam acordo com a força-tarefa da Operação Lava Jato –, o governo avalia que o atual cenário de instabilidade deixa o País à beira de uma crise institucional.
Há também apreensão com novos atos de vandalismo. Na terça-feira, por exemplo, a Esplanada dos Ministérios se transformou em uma praça de guerra, com depredação de prédios públicos e até carros queimados, durante protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos, aprovada naquele dia pelo Senado, em primeiro turno de votação.
“O uso do direito de manifestação não autoriza o abuso de outros direitos”, afirmou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen. “Os cidadãos de bem, que querem se manifestar pacificamente, não podem ser impedidos por pessoas que têm como única causa a violência.” O general disse que haverá reforço de segurança hoje em toda a Esplanada.
Marca. O desafio de Temer, agora, é impedir que a turbulência política contamine ainda mais a economia. Nem mesmo a demissão de Geddel Vieira Lima da Secretaria de Governo abafou a crise.
Geddel deixou o cargo no dia 25, depois de o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero acusá-lo de interferir indevidamente para mudar decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que embargou a construção do prédio La Vue, nos arredores de área tombada, em Salvador. O articulador político do Planalto foi o sexto ministro a cair, em seis meses de um governo em busca de uma marca administrativa.
Fonte: Estadão