O presidente da Comissão de Educação da Câmara, deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), conduzirá no próximo dia 15 de maio, uma audiência pública com o ministro Abraham Weintraub. O titular do MEC vai expor os seus planos e responder às indagações dos deputados em meio a uma atmosfera de preocupação com os rumos da política educacional no governo de Jair Bolsonaro. “O que se vê no momento é o MEC sendo usado como instrumento para promover uma revanche ideológica”, disse Cunha Lima em entrevista ao blog.
O deputado afirmou que seu desejo é de colaborar. “Não quero fazer nenhum tipo de oposição ranheta”. Mas realçou que a comissão que preside não hesitará em agir sempre que farejar ideologia no lugar de critérios técnicos. É o caso, por exemplo, do orçamento das universidades. Não se pode “fazer na marra o uso do orçamento público para perseguir quem pensa diferente”, declarou.
Cunha Lima criticou o corte linear de 30% no orçamento das universidades no segundo semestre: “Parece haver no MEC uma incapacidade de gestão.” Achou “preocupante” a ideia do ministro Weintraub de transferir verba das universidades para as creches: “Essa tese de que falta na creche o dinheiro que existiria em excesso nas universidades é uma forma errada e simplista de abordar o problema.”
É grande o interesse do Congresso pela interpelação do ministro da Educação. Antes de comparecer à Câmara, Abraham Weintraub será espremido, na terça-feira (7), numa audiência da Comissão de Educação do Senado. Há, de resto, uma comissão externa da Câmara incumbida de perscrutar a administração do MEC.
Leia abaixo a entrevista com Pedro Cunha Lima, o presidente da Comissão de Educação da Câmara:
— De quem foi a iniciativa de chamar o ministro da Educação à comissão? Foram apresentados 15 requerimentos, que agregamos em um. Por acordo, aprovou-se um convite, não uma convocação. E o ministro se dispôs a comparecer no dia 15 de maio. Se as dúvidas não forem respondidas adequadamente, podemos chamar o ministro novamente. Uma das atribuições mais nobres da Comissão de Educação é a de fiscalizar o MEC. Creio que será necessário fazer um acompanhamento criterioso, porque os sinais que o MEC emite indicam que a prioridade é a ideologia. O que se vê no momento é o MEC sendo usado como instrumento para promover uma revanche ideológica. Isso não me parece adequado.
— Diria que esse incômodo com a substituição da técnica pela ideologia é disseminado na Comissão de Educação? Essa é uma preocupação de todos os que acompanham a Educação no Brasil, não apenas da comissão. A preocupação existe porque ninguém deseja ver o MEC transformado em instrumento de guerra ideológica. Na comissão, até quem deseja contribuir com o governo está preocupado. Esse é o meu caso. Não quero fazer nenhum tipo de oposição ranheta. Desejo contribuir para melhorar a educação no país. Para isso, é preciso assegurar que o MEC seja gerido segundo critérios técnicos, não ideológicos. Eu disse isso ao ministro.
— Seu encontro com o ministro ocorreu recentemente? Aconteceu há cerca de 15 dias. Manifestei expressamente minha preocupação com esse aspecto ideológico. Ele me disse que a prioridade seria técnica. Afirmou que eu ficaria surpreso com a exposição que fará na comissão. Mas noto que os sinais emitidos desde que conversamos indicam que o MEC virou instrumento para alimentar disputas puramente ideológicas.
— Que achou do corte de 30% no orçamento das universidades para o segundo semestre? Num primeiro momento, informou-se que o corte alcançaria três universidades [UnB, UFF e UFBA]. Nessa hora, faltou clareza sobre o critério adotado para concentrar os cortes nessas três instituições. Num segundo momento, o MEC ampliou a providência, estendendo o corte para todas as universidades. Nessa hora, faltou gestão. Parece haver no MEC uma incapacidade de gestão. Não há gestão nenhuma em fazer um corte linear de 30%, igual para todo mundo. Não foi feito nenhum estudo, nenhuma avaliação sobre as peculiaridades de cada universidade.
— Considera correta a tese do ministro segundo a qual é preciso transferir verba das universidades para o ensino básico, para as creches? Sou obcecado pela primeira infância —pela creche, pela educação básica. Mas o dinheiro que falta no ensino básico não é o dinheiro que sobra na universidade. Essa tese de que falta na creche o dinheiro que existiria em excesso nas universidades é uma forma errada e simplista de abordar o problema. Não existe essa dicotomia entre ensino superior e educação básica. É preocupante ver o ministro sustentando uma tese como essa.
— Por quê? Esse debate orçamentário envolve inclusive a autonomia universitária. Tudo bem que o governo seja conservador, de direita. Foi eleito, é legítimo. Mas isso não dá a ninguém o direito de fazer na marra o uso do orçamento público para perseguir quem pensa diferente, sobretudo na universidade, cuja principal característica é a diversidade de pensamento.
— O ministro manifestou a intenção de priorizar nas universidades os cursos técnicos em detrimento de filosofia e sociologia. Concorda? Não posso concordar. De novo, vejo ideologia onde deveria haver técnica. Os cursos de filosofia e sociologia reúnem apenas 1% dos estudantes universitários. Não me parece que, em meio ao colapso educacional que vivemos, o esvaziamento desses cursos vá produzir grande impacto orçamentário. Além disso, qual é o argumento técnico utilizado para dizer que filosofia e sociologia não trazem retorno à sociedade? Essas coisas não podem ser conduzidas na base do achismo e da ideologia.
— Quais são os poderes da Comissão de Educação para influir nos rumos do MEC? Nosso poder é político. Vamos fiscalizar. Podemos convocar o ministro a qualquer momento. Portarias ministeriais podem, eventualmente, ser sustadas por meio de decretos legislativos. Mas isso não depende da comissão. A decisão é do plenário. Na conversa que tive com o ministro, fiquei com a impressão de que ele acredita que sua prioridade seja desaparelhar as universidades, que estariam tomadas pela esquerda. Eu disse ao ministro que, para essa guerra ideológica, ele não conta comigo. Sempre que a linha de ação for ideológica, para satisfazer a uma torcida organizada, estaremos do outro lado. Não se pode menosprezar o interesse do país. O que se espera do MEC são medidas técnicas e urgentes, tomadas a partir de diagnósticos precisos. Não podemos mais errar numa área como a Educação.
Fonte: UOL
Créditos: Josias de Souza