Joe Biden, eleito novo presidente dos Estados Unidos, toma posse no próximo dia 20. Com ele, chega a incerteza de como o Brasil comandará a sua política externa nos próximos anos. O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, é o expoente de uma política alinhada a Donald Trump. Com a saída do aliado do poder no país vizinho, o ministro pode não sobreviver ao cargo.
Após os frequentes ataques de Jair Bolsonaro (sem partido) ao novo presidente americano, será preciso um sinal de paz se o país quiser continuar com uma relação amigável com os EUA. Um grande sinal de mudança de tom na política externa seria a demissão do atual ministro de Relações Exteriores, indicam especialistas.
“A gente nunca tinha tido um chanceler declaradamente fã de um presidente americano dessa forma, a ponto de chamá-lo de a ‘última esperança’ do mundo ocidental e coisas do tipo. Então a situação do Ernesto é muito complicada”, explica o professor da FGV (Fundação Getúlio Varga), Guilherme Casarões.
Chanceleres já caíram por muito menos na história do Brasil.”Guilherme Casarões, professor da FGV.
Araújo se tornou chanceler com a promessa de trazer uma “nova política externa” ao Itamaraty — uma política de alinhamento automático aos Estados Unidos e contra o globalismo. Porém, para analistas em relações internacionais, o alinhamento na verdade foi ao presidente Trump, o que se provou problemático especialmente após suas ações nos últimos dias no cargo.
Para Ernesto e a ala chamada ideológica do governo Bolsonaro, Biden é um globalista, já que defende as instituições internacionais como a ONU (Organização Mundial da Saúde). Portando, seria um “inimigo” desse grupo. Com Biden agora no poder, será necessário repensar essa política externa proposta pelo chanceler.
Caso haja a vontade do governo de corrigir essa rota e manter o que o próprio governo traçou que é um alinhamento aos Estados Unidos, a troca de ministros certamente terá um impacto positivo rápido. Seria uma forma bastante viável de resolver a questão.”Pedro Feliú, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo)
A dúvida, no entanto, é qual sinal Bolsonaro pretende passar para o novo governo americano. Os setores não ideológicos do governo, como agronegócio, indústria e demais elites econômicas devem pressionar o presidente para manter uma boa relação com os EUA e até pela troca de chanceler. Não se sabe se ele atenderá.
Pressões no passado já funcionaram para derrubar ministros inclusive ideologicamente alinhados a Bolsonaro. O principal exemplo neste caso é o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub.
“Eu esperava que o presidente tivesse já a essa altura sinalizando uma troca de chanceler para fortalecer uma ala mais pragmática”, diz o coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV, Eduardo Mello. “Mas o presidente não fez isso, pelo menos não até agora e não deu sinais de que está pronto para fazer isso. É espantoso e vai ter um custo enorme para o Brasil.”
As críticas a Araújo também abordam sua atuação como chanceler, que não tem sido de protagonismo nas relações exteriores do Brasil. “Como chefe da diplomacia, ele deveria ter feito um trabalho minimamente diplomático para garantir que o governo brasileiro não entrasse no novo governo americano com o pé esquerdo. E não foi isso que ele fez”, lembra Casarões.
Na posse do dia 20, Ernesto Araújo estará de férias. Um despacho publicado na terça-feira (12) no Diário Oficial da União informou que ele se ausentará do dia 16 ao dia 22 da semana que vem.
Mourão a frente da diplomacia
Outra possibilidade levantada pelos especialistas é de que Ernesto não seja removido do cargo, mas perca ainda mais a sua relevância nos assuntos internacionais. Nesse sentido, o vice-presidente Hamilton Mourão seria um candidato a assumir a tarefa.
O Mourão tentou ocupar espaço, foi vetado pelo Bolsonaro. Mas numa lógica de correção de rota é muito mais provável que a vice-presidência tenha um papel mais relevante que o ministro.”Pedro Feliú, professor de Relações Internacionais da USP
Porém, segundo o professor da USP, um ponto a favor de Araújo em comparação com Mourão é a baixa possibilidade de o atual chanceler representar uma ameaça eleitoral a Bolsonaro.
O UOL já mostrou como o Itamaraty é utilizado pelo governo como plataforma eleitoral e Araújo não rouba o protagonismo do presidente. Mourão, por outro lado, já foi advertido por Bolsonaro outras vezes por ganhar destaque demais. Ministros como Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta caíram justamente por ameaçar politicamente o presidente.
Ricardo Salles também na corda-bamba
Outro ministro do governo que ficaria por um fio durante o governo de Joe Biden seria Ricardo Salles, líder da pasta de Meio Ambiente. Segundo especialistas, a questão ambiental será central no novo governo americano e é onde ele bate de frente com o Brasil.
“Assim como o Araújo, o Salles representa a ala mais ideológica e que tem que ser trocado se o Brasil quiser fazer controle de danos e administrar essa situação”, diz Eduardo Mello. “Se quiser abrir canais com os democratas, facilitaria muito tirar o Salles e colocar uma pessoa que tem algum trânsito com a questão ambiental”.
Já nos debates presidenciais o então candidato democrata chegou a citar o Brasil como má exemplo de gestão da Amazônia devido às queimadas. Salles, por outro lado, é visto como um ministro negacionista das mudanças climáticas e que vai contra as políticas ambientais democratas.
O Ricardo Salles é a cara da área mais sensível hoje do governo brasileiro, que é justamente a questão ambiental. E essa é a prioridade absoluta do governo americano. Ou Ricardo Salles modera o seu discurso, o que eu pessoalmente acho improvável a essa altura do campeonato, ou ele é demitido também.”Guilherme Casarões, professor da FGV.
Assim como Araújo, o que pode contar a favor do ministro é a baixa ameaça eleitoral para Bolsonaro em 2022, além da forte proximidade ideológica com o presidente. Isso garantia a permanência do cargo, mas ainda poderia jogá-los na irrelevância.
“No caso dos ministros, o Ricardo Salles [Meio Ambiente] e o Araújo cumprem bem esse papel. Eles, politicamente, não ameaçam o Bolsonaro. Eu acho que eles têm esses dois fatores favoráveis: a proximidade ideológica e não ameaça política. Então isso pode garantir ainda um pouco a sustentabilidade deles”, diz Pedro Feliú.
Fonte: UOL
Créditos: UOL