Gol contra ressuscita a cidadania

Arimatea Souza

O País vai às ruas
Como deixar de falar sobre o caldeirão em ebulição no qual se transformou o Brasil nos últimos dias?
E começo por algo que parece consensual: trata-se de um movimento suprapartidário – ou seria apartidário? -, com múltiplas motivações.
Causas difusas, enfim.

Holofotes
É sintomático que essa onda de protestos tenha começado no período da Copa das Confederações, quando a mídia mundial aguça as suas atenções na direção do pais-sede.

Revestimento
No Brasil, tudo o que envolve os eventos futebolísticos está revestido de um binômio cruel: atraso nas obras e superfaturamento.

Recheio
As duas coisas temperadas por duas tenebrosas constatações: a desmedida flexibilidade do governo para a contratação das empresas executoras – botando na gaveta a Lei das Licitações – e o prenúncio de que a maioria das ´arenas´ construídas vai se transformar em ´elefantes brancos´ de custo bilionário.

Ejetados
Mas aponto e realço algo que considero ainda mais marcante: os novos estádios estão, na prática, expulsando o típico torcedor, frequentador das arquibancadas e que já faz ´ginástica´ financeira para prestigiar regularmente o clube de sua simpatia.

Inacessíveis
Os preços dos ingressos praticados para os dois eventos – Copa do Mundo e das Confederações –, bem como dos serviços inerentes aos jogos, soa para uma fatia expressiva de torcedores como a sinalização de que a sua presença nessas ´arenas´ será impraticável, até mesmo quando forem retomados os campeonatos nacionais e estaduais.

Elitista
É o que poderíamos denominar de ´glamourização´ do futebol, essa paixão nacional, notadamente nas classes menos abastadas da população.

Quebra da tradição
A ida ao campo de futebol no domingo – o preferido e mais barato lazer do nativo – parece que vai se tornar, em várias capitais, algo gradativamente fora do orçamento doméstico.
Essa mudança cultural tende a não ser pacífica, além de nociva.

Estopim
Mas a motivação mais visível dessa onda de protestos no País diz respeito às tarifas dos transportes coletivos.


Inábil

Nesse item – talvez o pretexto para uma indignação que estava latente, à espera de uma ´gota d´água´ para o seu extravasamento – merece realce a inabilidade do governo federal, ao reconhecer obliquamente a nossa pesada carga tributária.

Obsessão
Como questão de fundo, há a disposição governamental de entrincheirar a economia em função do calendário eleitoral.

´Curativos´
Ao longo dos últimos meses, a economia tem apresentado crescentes sinais de debilidade.
Para tentar estancar em processo – que trás como sintoma febril o recrudescimento da inflação –, o governo tem adotado medidas pontuais desconexas, numa espécie de remendos de duração limitada.

Alvo
É o caso da medida provisória editada no começo deste mês que zerou as alíquotas de PIS e de Cofins para as empresas de transporte público, no afã de conter o índice de reajuste anual da tarifa de ônibus em grandes cidades do País e, por conseguinte, dosar os efeitos desses aumentos na inflação.

Margem de manobra
A ação deixou clarividente para uma parcela expressiva dos usuários que existe sim um campo de intervenção estatal capaz de fazer baixar os preços das tarifas, principalmente pela via da desoneração, como várias prefeituras colocaram em prática nas últimas horas sob o temor de protestos incontroláveis.

Florescer
Inconsequencias governamentais à parte, não deixa de ser alvissareiro observar que uma legião imensurável de brasileiros redescobriu as ruas como espaço privilegiado e legítimo para canalizar as suas reivindicações; que tenham readquirido o gosto de serem protagonistas da história.

Indesejáveis
Uma pena é que um punhado de extremistas, provavelmente com objetivos escusos – talvez até eleitorais – esteja tisnando essa bela página da cidadania.
A síntese perfeita
Um cartaz visto num dos protestos no Rio de Janeiro serve para emoldurar essa quadra de nossa história: “É a pintura da paz. A gente tem que viver com paz, a gente vive em um país lindo, maravilhoso. A gente não tem que ter medo, tem que ter vida no Brasil. E o povo está tomando a vida na rua”.
Francisco, apresse a sua chegada…