Como seria adorável este torrão paraibano se não existisse Rubens Nóbrega. Os governos não precisariam prestar contas de seus atos à ninguém; o povo estaria livre de um censor público abelhudo e intrometido que mete a sua xereta e bedelho nos assuntos que só dizem respeito aos governantes; e o dinheiro público, além do camarão e lagosta, bem que poderia banquetear esturjões e caviar aos ocupantes do Palácio.
Seria muito bacana: pessoas humildes que, acidentalmente ou por mérito, chegassem a ocupar o cargo importante e honroso de governador do Estado, poderiam se julgar imunes à crítica e à vigilância e transformar-se em verdadeiros sultões esbanjadores, nobres, ladinos, cínicos, sem pudor e sem vergonha na cara.
Seria um escracho geral, mas talvez a gosto dos que querem o cargo público para usufruto pessoal e para a honra e gloria de si mesmo, e também a mau gosto dos que, ainda contaminados pelo caldo cultural da escravatura brasileira e universal, em vez de reagirem ao escravismo, caem em adoração às autoridades escravizantes.
Sem Rubens ou tipos como ele, ninguém precisaria ter coragem para combater os malfeitores, porque eles seriam juízes de si próprios e proprietários dos outros. Numa sociedade em que todos são fracos e moles e covardes, melhor que sejam todos vassalos assumidos, porque isso ao menos faz a felicidade dos que governam e oprimem – eles precisam de submissão coletiva para que possam exercer suas manias de mando e para praticar orgias com o dinheiro dos pobres nos ambientes suntuosos da governança.
Pobres são todos aqueles que não têm dinheiro mas os recursos que seriam destinados pelo Estado a eles próprios (os pobres) permitem ao governante que deles use e abuse a bem de sua própria (dele) felicidade. Os outros pobres são os fracos de todos os gêneros.
Mas, um dos problemas graves deste paraíso chamado Paraíba, é ter Rubens Nóbrega criticando e fustigando os governos e os governantes. Quê cara mais incômodo, não?
De onde vem a autoridade que ele pensa ter para cutucar a cão furioso com vara curta? Como ele pensa representar muita gente honesta e boa que também não aceita que os recursos dos pobres sirvam às orgias governamentais, à corrupção e megalomania dos sultões provinciais? Quê mandato e imunidade ele tem?
RC odeia Rubens. Sabe que ninguém pode com suas verdades, ditas apenas com o destemor de quem se comporta moralmente bem a vida toda, e com um jeito de dizer que parece uma sentença justa mas arrasadora. Dessas que deixam os reis nus e em crise existencial.
Diante das verdades de Rubens, RC só pode achar que não nasceu para ser rei. E é por conta disso que RC leva com frequência Rubens às barras da justiça, achando que um dia vai aparecer um juiz adorador de reis, por complexo de escravismo, e o mandar à prisão.
Mas, na justiça, pontifica hoje uma herança do Supremo no tempo em que lá esteve o min. Ayres Britto que, relatando a ação que pôs fim a lei de Imprensa, disse mais de mil palavras, entre as quais, por definitivas, estas, que são a carta de alforria de Rubens, o intimorato, que não aceita ser escravo de ninguém:
“A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados”…
“O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e “real alternativa à versão oficial dos fatos”.