A primeira edição do Congresso Brasil x Israel aconteceu em um domingo de garoa, dia 4 de março, em uma sinagoga localizada no bairro do Tucuruvi, na Zona Norte de São Paulo. Em um salão com bancos de madeira escura circundado por um mezanino feito do mesmo material, o pequeno público masculino e feminino, branco e pardo, judeu e gói tomava seus lugares para ouvir a palestra — que começaria com bastante atraso. Vestido com uma camisa roxa, calças negras presas com suspensórios, os cabelos claros formando um topete redondo e usando pequenos óculos de aro prateado, o professor e ativista político Rommel Werneck, o Febo, destoava do estilo simples do figurino dos presentes. Ao descer as escadas do mezanino para conversar com ÉPOCA, despediu-se de uma mulher baixa, morena e de cabelos lisos que vestia uma camiseta amarela onde estava escrito “Mães pelo Escola sem Partido”. Ao receber dois beijos, um em cada face, pediu um terceiro “para casar”.
O fato de Febo ser gay não é um fator de exclusão ali ou no Direita São Paulo, movimento conservador com mais de 900 membros, presente em 25 cidades do estado de São Paulo, com 215 mil curtidas no Facebook. Febo é um dos coordenadores do grupo, responsável pelo núcleo de Santo André, cidade onde vive desde 2015 e que o fez decidir-se por atuar politicamente. A decisão se deu em virtude dos absurdos que afirma ter presenciado no ensino público municipal — como uma visita de estudantes a um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.
Sentado a uma mesa vermelha em um espaço de coworking de um shopping quase vizinho à sinagoga, Febo girava o dedo em círculo enquanto contava sua história — que remete ao século XVII, quando a família chegou ao Brasil, atingindo o apogeu no século XIX, com o barão José Quirino da Rocha Werneck. Para tristeza de Febo, a nobreza parou por aí. O título adquirido no fim do Império tornou-se apenas uma lembrança com a Proclamação da República. Lamentou que ninguém se importasse com sua origem nobre.
Nascido em 1987, Febo graduou-se em letras por uma universidade privada. Mora em um apartamento financiado com a mãe viúva, ex-dependente de álcool, “infantil em alguns momentos” e que não lida muito bem com a sexualidade dele. “Acredito muito na importância da família.”
Católico, costuma ir à missa aos domingos, mas não se confessa como manda a liturgia. “Minha situação de vida não permite.” Considera conflituoso ser gay e católico. Assim como um heterossexual solteiro não ser virgem. Quando o assunto é o comando da Igreja, prefere Bento XVI a Francisco.
Seu primeiro namoro foi em 2014, com um conde da dinastia de Avis, que conheceu em uma reunião do movimento monarquista. Não bastasse ter nascido em plena República, para seu duplo azar, o título do namorado não era reconhecido pelo Almanaque de Gotha, o guia da nobreza europeia. Duas vezes órfão da nobreza, define-se homonacionalista e defende a monarquia constitucional como melhor forma de governo.
Febo é um dos administradores do exclusivíssimo grupo Gays de Direita, que conta com 348 membros no país. É considerado o maior do Brasil. Para ser admitido, é preciso responder a três perguntas: 1 – O que você entende como liberalismo econômico?; 2 – O que você entende como conservadorismo?; 3 – Você é gay? Caso seja, o que é ser gay de direita para você?
O grupo tem como alguns de seus principais ideais a “aceitação de vários arranjos familiares, mas a crença na família tradicional como MODELO”, a “defesa da Polícia Militar, propriedade privada e armamento” e a “defesa da vida desde a concepção”. Febo também redigiu o estatuto de boa convivência e cordialidade do grupo, que prega “a conservação da boa saúde da língua” e “o cavalheirismo e a galância que nos distingue dos frequentadores da Parada Gay”. Os assuntos se repetem numa pauta limitada. Trump é ovacionado. Líderes políticos gays são ignorados. Um caso é o francês Florian Philippot, que deixou a Frente Nacional (hoje Reunião Nacional) para criar o partido Os Patriotas, de cunho nacionalista.
A maior parte das publicações — em linguagem que contradiz o estatuto de Febo — ridiculariza a cantora Pabllo Vittar (chamada de “traveca”), combate o machismo (do mundo islâmico), defende o armamento e quer #Bolsonaro2018. Febo inclusive. “É o único candidato de direita. Fala coisas sobre violência que ninguém tem coragem de falar.”
A simpatia do professor pelo pré-candidato vem desde 2011, quando Bolsonaro combatia o projeto Escola sem Homofobia, acusando-o de ser um instrumento de doutrinação de crianças para a homossexualidade. O projeto, arquivado pelo governo Dilma Rousseff, era voltado a pré-adolescentes e estudantes do ensino médio. “Era um negócio perigoso mesmo para adolescente.”
Para Febo, o PSDB é de “centro-esquerda”, o PT “o que for conveniente” e o PSOL deveria fazer parte do Dicionário do folclore brasileiro. Já ele é de direita na política, na economia — embora tenha posição vaga sobre as reformas de Temer — e nos costumes, assunto no qual se posiciona com desenvoltura. Admite a união civil entre homossexuais. Com relação à criminalização da homofobia, sua opinião é ambígua: “A sociedade já criminaliza.” Quanto ao uso do nome social por transgêneros, a resposta é “não”. “Já imaginou criminosos se vestindo de mulher para usar o nome social?” Com relação à cura gay: “Todo mundo diz que não funciona, mas nunca passei por uma para saber se funciona ou não”.
Começou a frequentar os eventos do Direita São Paulo em abril de 2017. Seu primeiro encontro foi no 1º Batalhão da Polícia Militar, no centro de São Paulo. As reuniões semanais do grupo acontecem todos os sábados e tratam de temas como a ameaça islâmica, a ditadura militar e a divulgação de autores conservadores. Na agenda do grupo está a implementação de projetos de lei do Escola sem Partido nas Câmaras Municipais e o Infância sem Pornografia, em oposição a mostras como a Queermuseu.
Em setembro de 2017, Febo foi convidado para fundar o núcleo do Direita São Paulo em Santo André. O grupo tem dez pessoas — o que ele considera um bom número.
O que acontece no Palácio 9 de Julho — sede da Assembleia Legislativa de São Paulo — raramente é notícia. Numa noite de março, porém, o clima era outro. Era o evento de filiação dos novos membros do Partido Social Liberal — PSL, a agremiação de Jair Bolsonaro. Realizado no Auditório Franco Montoro, começou com quase uma hora de atraso e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho, foi a atração principal.
Naquela noite, o engenheiro de 30 anos Smith Hays, “um gay de direita”, como se define em sua página no Facebook, filiou-se ao partido a pedido da família Bolsonaro, para apoiá-lo na campanha presidencial. Com mais de 50 mil seguidores, Hays é o campeão no nicho “gays de direita” na rede de Zuckerberg e pretende lançar-se deputado federal.
De estatura média, óculos modelo anos 1990, cabelos escuros e curtos, Hays vestia camisa azul-marinho, no mesmo tom da sigla do partido. Seu envolvimento com política começou na terça-feira 18 de junho de 2013, quando as manifestações de rua já haviam extrapolado a pauta da redução da tarifa do transporte público. “Vi que o pessoal estava se mobilizando pelo Brasil. Foi o que me mobilizou.” Após os atos, começou “a buscar o que estava acontecendo com o país.” Desiludido com todos os partidos e políticos, adotou o filósofo de direita Olavo de Carvalho como mentor ao ler o livro O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota.
A vida como influenciador começou após um vídeo publicado em 2014, no qual defendia a família tradicional e criticava um projeto para ensino de cultura árabe nas escolas. Teve mais de 87 mil visualizações. Em seguida, veio a página no Facebook. Nela, posta quase diariamente elogios a Bolsonaro e Donald Trump, renega o aquecimento global e denuncia conspirações da “máfia esquerdista global”.
Um vídeo em apoio a Jair Bolsonaro, publicado no final de 2014 e com 47 mil visualizações, chegou ao deputado e motivou um contato de seu filho Eduardo. Bolsonaro e Hays começaram a trocar mensagens via WhatsApp. “Ele me explicou que a pauta dele nunca foi atacar os gays, mas a agenda de esquerda e a implantação disso em escola.” O influenciador acredita que o mito não tenha nada contra os gays. Mesmo que tivesse: “Não me importa o que ele acha de gay. Assim como não importa para ele o que eu acho da heterossexualidade.”
O primeiro encontro entre Bolsonaro e Hays aconteceu em fevereiro de 2016. O deputado fora convidado pela produção do programa Superpop, de Luciana Gimenez, na RedeTV!, e ligou para o seguidor, convidando-o para acompanhá-lo. “Provavelmente vão me perguntar esse negócio de gay e gostaria que fosse comigo”, recorda Hays.
No dia do programa, Hays foi até o apartamento de Bolsonaro em São Paulo. De lá, foram de Uber para a emissora. No caminho, Bolsonaro contou causos e mostrou memes que recebia. “Ele é engraçado. Você conta uma piada e ele ri. Te trata como uma pessoa. Independentemente de que você seja gay.” Os dois compartilharam, ainda, histórias sobre a vida militar. O pai de Hays, que vive na Paraíba, é militar e foi a primeira pessoa a saber que ele era gay, já aos 23 anos.
No programa estrelado por Bolsonaro, Hays ficou na primeira fileira da plateia, ao lado de Eduardo Bolsonaro. “Independentemente da questão da sexualidade, a gente tem de ponderar os projetos que são bons para o Brasil”, disse ao ser abordado sobre o fato de ser gay e bolsominion.
Bolsonaro e Hays têm uma afinidade de ideias de mestre e efebo, razão pela qual, ante a desesperança com a classe política, Hays escolheu o deputado como seu norte. “O problema principal do país, hoje, é o crime. Tem de mudar armamento civil. Sou favorável à punição severa para quem comete crime, e o candidato que mais fala isso é o Bolsonaro.” Suas simpatias políticas resumem-se aos Bolsonaros, a Trump e a outros poucos políticos. Quer o “novo na política” tão distante de si quanto uma bandeira vermelha. “Sou do partido velho, do muito, muito velho.”
A desavisados, ser um gay de direita pode soar tão estranho como ser uma noviça ninfomaníaca. Pode-se pensar que, se você é gay, como apoia alguém que publicamente desrespeita, faz troça, condena, difama e agride sua orientação sexual, algo de cunho tão íntimo e pessoal? Bolsonaro já disse que prefere que um filho seu morra num acidente do que apareça com “um bigodudo por aí”, que ter filho gay é falta de “palmada” e que “ninguém gosta de homossexual”, apenas suporta. Mas o candidato do PSL lida com a homossexualidade de maneira errática. Em abril, encontrou-se com a diretora de ÉPOCA, Daniela Pinheiro, e o editor adjunto Thiago Prado em um restaurante no Rio. Durante duas horas de conversa, falou sobre vários assuntos, inclusive a eventual presença de gays em seu gabinete — caso seja eleito.
Bolsonaro afirmou que não estava “nem aí” para cor, gênero ou preferência sexual na hora de escolher um ministro — até porque não seria possível saber o que se passa na vida privada alheia. “Tu põe a mão no fogo se eu não gosto de queimar a rosca de vez em quando?”, indagou de supetão a um atônito Prado. “Porra, isso é problema meu, cara. Ninguém tem nada a ver com isso”, ele mesmo respondeu. E seguiu no exercício de imaginação. “Até com minha esposa. Ela topa, eu topo. Vamos em frente. Tá topado, porra.” Ao final, já na saída, cumprimentou um rapaz homossexual e encerrou: “Tem gay de direita para caramba que gosta de mim”.
Éder Nunes Souza, de 33 anos, chegou ao encontro com perdoável meia hora de atraso. Naquela terça-feira de fevereiro, havia saído um pouco mais tarde do Morumbi, onde despacha todos os dias na assessoria internacional do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do estado de São Paulo. Formado em história, Souza é negro, alto, usa óculos, tem cabelos raspados e o peito e os braços musculosos, envolvidos naquele dia por uma camisa roxa.
Negro, gay e de “centro-direita”, segundo sua definição, Souza sorri quando questionado acerca da aparente dicotomia. Responde sintética e agilmente, como se o relógio do debate eleitoral estivesse rodando. “O movimento LGBT foi monopolizado pela esquerda. Hoje em dia tem uma vertente mais encorpada de liberais, que são liberais na economia e nos costumes”, disse, em um restaurante frequentado majoritariamente por gays — de direita e de esquerda — na Rua Augusta, em São Paulo.
Nascido na periferia de São Paulo, teve uma infância modesta, mas sem privações. Estudou em colégio particular adventista e seguiu os preceitos políticos do pai, petista de carteirinha até 2015. Votou com entusiasmo em Lula nas eleições de 2002 e 2006 e, “meio a contragosto”, ajudou a eleger Dilma em 2010. “Foi a última vez que votei na esquerda”, disse.
Souza começava a se cansar das ideias da esquerda quando, em 2009, um funcionário da USP foi demitido, acusado, segundo ele, de assédio e de “colocar amônia” no bandejão. À demissão, seguiu-se uma greve apoiada por professores e alunos. Mas não por Souza. Numa manhã, o estudante chegou à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o “think thank” da esquerda uspiana, e deparou com uma barricada posta para impedir a entrada de alunos e professores. Com outros antigrevistas, Souza tentou furar o cerco. “Aí começou uma treta”, contou, divertindo-se. Souza decidiu chamar a polícia, ignorando os apelos de sua orientadora da iniciação científica. A chegada da PM causou um burburinho. Alunos saíram para protestar contra a presença policial. Foi, segundo ele, uma “batalha campal” entre a direita e a esquerda, representada ali pelo PSOL.
A greve motivou-o e a outros estudantes a fundarem “o primeiro movimento antiesquerda de expressão da USP, o Reconquista”, que concorreu às eleições ao Diretório Central dos Estudantes naquele mesmo ano. A chapa ficou em segundo lugar. “A gente ganhou, mas houve uma fraude eleitoral da esquerda”, contou. “Não tínhamos a força da máquina, dominada pelo PSOL.”
Em 2013, a Reação, outra chapa de direita, perdeu nas urnas do DCE. A derrota, dessa vez, foi justa. Mas a situação se inverteu nas ruas. “Junho foi fundamental para quebrar o discurso hegemônico da esquerda.” Souza ingressou, com outros 250 mil brasileiros, nos protestos na segunda-feira 17 de junho, depois dos ataques da PM paulista aos manifestantes na quinta-feira anterior. “Achei a revolta dos 20 centavos ridícula em alguns momentos. Mas a forma como a polícia atuou naquele momento foi desproporcional.” Em 2014, filiou-se ao PSDB por considerar que o partido une questões sociais com liberdade econômica. Fez campanha pela queda de Dilma. Considera “burra” a dicotomia entre golpe e impeachment. “Qualquer pessoa com a força do PT não teria caído. A Dilma pegou Maquiavel e leu de cabeça para baixo.”
Leitor de José Guilherme Merquior — “o liberal que os liberais não conhecem” —, com a virada ideológica, Souza passou a se opor ao identitarismo dos movimentos negros. “Os ataques que o movimento negro faz ao (vereador Fernando) Holiday são racistas às vezes. Não gosto do Holiday, mas não se pode falar que ele é um ‘capitão do mato’. Ele tem direito à autonomia de pensamento. É um negro importante. Um gay importante. Ele representa alguma coisa — querendo ou não.”
No gabinete 515 da Câmara Municipal de São Paulo, a sexta-feira 16 de março era tranquila. Os assessores do vereador Fernando Holiday (DEM), ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL), trabalhavam em silêncio, observados por uma pintura-grafite que ocupava a parede à esquerda. Nela, o vereador estava retratado em perfil, em tons de verde, sobre o topo de uma fileira de prédios. No alto, um coração e a sigla SP.
A imagem remetia ao Holiday dos protestos de 2015 e 2016: um garoto que parecia funcionar na base do “olho por olho, dente por dente” do Velho Testamento. O Holiday que estava sentado na poltrona de seu gabinete parecia mais uma figura do Novo Testamento. De camisa azul-marinho, estava com as pernas cruzadas sobre a poltrona e foi simpático quando avisei que dispensaria o “senhor” no tratamento pelos oito anos que nos separam — com vantagem para ele. A entrevista começou com 15 minutos de atraso.
Há dois anos, Holiday, nascido e criado pela mãe em Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, trocou o neopentecostalismo pelo catolicismo. Além de ser “negro, gay e de direita”, inverteu a ordem da conversão religiosa: desde os anos 1990 o Brasil vive o êxodo de católicos rumo a igrejas evangélicas.
Holiday trocou o culto pela missa por razões históricas, filosóficas e culturais. O garoto que passou em filosofia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sem se inscrever para as cotas raciais — o que fez questão de frisar — é admirador da história do Império Romano e da Igreja Católica dos primórdios.
Desde a conversão, Holiday tem buscado seguir à risca o mandamento presente no Levítico (20:13): “Se um homem se deitar com outro homem, como se fosse com mulher, ambos terão praticado abominação.”
Havia cerca de sete meses, na ocasião da entrevista gravada em seu gabinete, o vereador não se relacionava com outro rapaz. Por não acreditar que exista a “cura gay”, pretende continuar com sua homossexualidade abstêmica. “O fato de eu namorar outro homem é um pecado. O fato de eu ter um desejo constante por outra pessoa do mesmo sexo, mas não fazer isso, não é um pecado. É a única saída em estar na Igreja Católica e ser homossexual.” Quando o assunto é o casamento igualitário, mantém a devida separação entre Igreja e Estado.
Sua atuação política começou na escola pública, onde sempre estudou. Sem posição política clara, tinha uma única certeza: a ineficácia das cotas raciais. “Eu considerava isso um racismo por parte do Estado.” Ao longo do embate com os professores, o adolescente Holiday viu que precisava se preparar para poder argumentar melhor. Foi nessa época que leu o livro Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico, de Thomas Sowell, no qual o autor questiona esse tipo de ação em diversos países. “Foi meu estopim em direção ao liberalismo.”
Das discussões escolares passou para vídeos que não tiveram muitas visualizações, mas foram vistos por, ao menos, um membro do MBL, que o convidou a integrar-se ao grupo. “Foi quando comecei a militar de verdade, em 2015.”
Criticado — e até odiado — por membros dos movimentos negro e LGBT, Holiday afirmou ter mais conflitos com o primeiro. “O movimento negro entende que os negros que não concordam com suas pautas são traidores. E, para combater seus traidores, eles costumam usar de ferramentas racistas para tentar deslegitimá-los perante a comunidade negra.”
Em 2016, candidato a vereador pelo DEM, apoiou João Doria para a prefeitura. Hoje é parte do grupo crescente de “renovadores” que critica o ex-prefeito de São Paulo. “Me pareceu ao longo de 2017 que ele não foi um político de posições muito firmes. O mais enfático disso foi o caso do Uber. Ele lançou uma regulamentação muito pesada sobre os motoristas.” O caso foi o “estopim” para que se afastasse da gestão.
O vereador considera-se, hoje, independente. Ao contrário do ex-prefeito, afirma que cumprirá seus quatro anos de mandato e tentará a reeleição em 2020. Deve apoiar Doria ao governo do estado de São Paulo e gostaria que Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, mantivesse sua candidatura à Presidência. “É preciso debater mais o que é conservadorismo no Brasil — e aí vem um saldo muito negativo do senhor Jair Messias Bolsonaro. O extremismo que ele representa e a forma como ele expõe suas ideias trazem uma impressão muito ruim do que seria o conservadorismo.” Holiday não vê a si com o mesmo espelho. Atribui sua imagem de “brigão” aos grupos de esquerda que se opõem a ele. “O início de minhas aparições foi muito mais incisivo. Eu precisava ter uma linguagem firme e polêmica para poder ser ouvido e participar do debate.”
O arquiteto Alexandre Rosa, de 33 anos, passou parte da manhã de um sábado de março “boiando” em um debate sobre o lançamento de um livro que tratava da derrota do Brasil para a Alemanha na Copa de 2014, o histórico 7 a 1. Tentou, na plateia do auditório do Museu do Futebol, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, levar o assunto a sério e não ser preconceituoso com o universo eminentemente heterossexual. O evento, agendado para as 9 horas, havia atrasado. Mas ele não. Ele nunca se atrasa.
Filho, sobrinho e neto de militares, Rosa nunca pensou em seguir a carreira por ser “uma vida muito sofrida”, mas admira a instituição e a ordem. O gosto observa-se no vestuário: camisa azul-marinho alinhada ao corpo e bem passada, calça justa e um sapatênis acinzentado.
Rosa considera-se liberal em política e economia, mas guarda certo conservadorismo nos costumes. A irmã, que usa maquiagem Chanel e apoia o PSOL, o define como um “gay republicano”, em referência ao partido conservador dos Estados Unidos. “Sou uma pessoa reservada. Não vou andar de mão dada com meu namorado.” Pergunto: “Já teve algum relacionamento aberto?”. Preciso explicar do que se trata. Ele responde, quase ofendido: “De jeito nenhum.”
Outra hipótese fora de questão é votar em Bolsonaro para presidente do Brasil. Seu pai, em meados dos anos 1980, servia como militar na capital fluminense, onde Rosa nasceu, no bairro “nem um pouco glamoroso” de Jacarepaguá. Na época, o pai cursava a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), com o hoje presidenciável Jair Bolsonaro. Como a maior parte dos colegas, não apreciava o militar. “O Bolsonaro já era muito de fazer confusão, de fazer greve, de contrariar os comandantes. Ele sai completamente da figura de um oficial do Exército. Tanto que saiu do Exército. Ele não cresceria nunca ali dentro.”
A mudança para Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, foi por causa da crise econômica e política. Demitido em 2015 da construtora onde trabalhava como arquiteto, abriu uma empresa de projetos arquitetônicos. O único cliente desistiu do projeto. Desempregado, enviou, por recomendação do tio, o currículo para a prefeitura de Santa Maria, onde hoje trabalha como assessor na área de arquitetura, ganhando pouco. Em São Paulo, os colegas de trabalho conheciam sua orientação sexual. Em Santa Maria, o assunto é segredo. Como para seu pai. “Não é uma coisa que gostaria que o filho dele fosse.” “Você não sofre?”, pergunto. Responde, de modo quase inaudível: “Não”. De todos os entrevistados, foi o único que não quis fazer foto.
Segundo um estudo realizado em março pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, 53,2% dos 2.500 brasileiros entrevistados em 26 estados (exceto o Amapá) afirmaram apoiar um golpe no caso de o país se tornar “palco de muitos crimes”. Quando o assunto é a corrupção, o apoio é alto, mas menor: 47,8%.
Para o professor Roberto Dutra, de 36 anos, doutor em sociologia pela Universidade Humboldt e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, o número mostra que a questão da segurança tornou-se de tal modo urgente no país que solapou outros assuntos mesmo entre as minorias. “Quem mais sofre com a segurança são as classes populares. Quanto mais pobres forem os gays, mais forte a tendência para colocar a segurança em primeiro lugar. A esquerda não teve uma política alternativa de segurança em 14 anos de governo. Com toda a irracionalidade que a gente vê na campanha do Bolsonaro, ele tem conseguido colocar esse tema”, afirmou. “Não vai ter um tema mais importante do que esse enquanto as pessoas se sentirem ameaçadas.”
Em 2016, houve 62.517 homicídios no Brasil. Em 2005, foram 48.136. Os números mostram que o aumento do consumo e o crescimento econômico verificado até 2014 não impediram o aumento dos homicídios, sobretudo nas regiões mais beneficiadas pelo crescimento no período, como o Nordeste. Segundo Dutra, isso ocorre porque “a violência tem uma dinâmica própria, seu próprio desenvolvimento. Ela própria é um fator de desigualdade”. Para ele, “se o sentimento de caos se prolongar, não há nada melhor para o Bolsonaro”.
Fonte: Revista Época
Créditos: DANILO THOMAZ