Frustração empresarial

Rubens Nóbrega

Não pensem que sempre fui ou nunca quis ser outra coisa além de servidor do público. Confesso que por uns tempos tentei me servir do público, digamos assim, mas nada deu certo nas minhas tentativas de ser um bom e privilegiado fornecedor de produtos e serviços ao poder público.
Aconselhado por um amigo, desses que têm faro fino pra ganhar dinheiro, minha entrada no mundo dos negócios deu-se quando peguei economias de anos, um empréstimo e comprei uns caminhões caçambas para participar da coleta de lixo da cidade. Montei firma, tudo bonitinho e participei de uma licitação. Mas aí…
A licitação na qual me aventurei estava previamente acertada para duas ou três empresas do ramo que há muito faziam o serviço e, dizem, eram financiadoras cativas de candidaturas competitivas para prefeito. Sabem como é… Para contratos milionários, superfaturados e hiper lucrativos, doações idem.
Decepcionado, frustrado, vendi as caçambas e com o apurado comprei quatro ônibus usados em bom estado, com os quais fui me arriscar a entrar no paraíso das empresas que fazem o transporte de passageiros na minha cidade, através de concessões eternas, sem concorrência alguma.
Achei mesmo que poderia abocanhar uma fatia desse bolo, mesmo uma fina fatia, porque o meu candidato a prefeito me prometera pessoalmente e durante a campanha acabar com aquele esquema e melhorar o serviço promovendo uma inédita licitação no setor. Mas, seis meses após a posse, nada mudara. Pedi então uma audiência e consegui falar com o eleito. Sabem o que ele me disse?
– Veja só como são as coisas, Rubens. Assim que a gente assumiu, mandei fazer uma pesquisa de opinião para avaliar os serviços públicos. Rapaz, pois não é que deu transporte coletivo na cabeça. Sem contar que depois que passei a conhecer melhor os donos de ônibus… Pense como os caras são super gente fina!
Desiludido e amargurado, vendi os ônibus, apliquei parte do dinheiro na Bolsa e guardei uns trocados para instalar uma firma de representação de produtos da merenda escolar, livros escolares e equipamentos de informática.
Credenciei minha firma na Prefeitura e tome a participar de licitação! Mas não ganhava uma. Engraçado que umas pessoas lá de dentro me diziam que com o meu jeito de trabalhar eu não iria a lugar algum. “Como assim, de que jeito vocês estão falando?”, quis saber. “Ah, Rubens, sem conversar com os home fica difícil…”, disseram-me, mais ou menos dessa forma. Foi aí que entendi como funcionariam as coisas.
Entendi muito mais depois que vi uma empresa de São Paulo abocanhar sozinha um contrato de mais de R$ 40 milhões pra merenda, outra pegar mais de R$ 11 milhões só pra vender umas cartilhinhas vagabundas ao município e uma terceira entrar num esquema de mais de R$ 100 milhões para fornecer computadores e acessórios.
Tudo com escandaloso sobrepreço e o mundo inteiro falando que por trás dessas tenebrosas transações tinha parente e amigo muito próximos do prefeito, pegando propina tão gorda que estava inflacionando o mercado da corrupção e fazia parecer gangue de trombadinhas algumas galeras que antecederam os poderosos da vez.
Sem ter como prosperar nesse campo, fechei a firma de representações e abri uma imobiliária. Comecei comprando uns terrenos da periferia mais esquecida porque soube que a Prefeitura estava querendo abrir parques para o lazer dos moradores. Sugeri alguns locais – os meus locais – para esses parques. Mas não me deram a menor.
Imaginem, então, a minha surpresa ao ver no jornal o anúncio de que o governo municipal havia desapropriado e indenizado por mais de R$ 10 milhões uma área que sequer podia ser desapropriada e indenizada porque era área de proteção permanente.
“É como se a presidente Dilma desapropriasse e pagasse por um pedaço da Floresta Amazônica”, disse-me um advogado amigo, tentando me explicar aquela pilantragem que meus poucos neurônios resistiam em entender.
Mesmo assim, mantive os meus terreninhos e de um maior que tinha fiz um loteamento, para o qual não obtive a licença da Prefeitura, embora estivesse tudo em ordem com a minha área, ao contrário de uma vizinha, dentro de reserva de mata atlântica. Nessa, o concorrente mandou derrubar e serrar tudo quanto era árvore, do dia pra noite; no final, recebeu parecer favorável do então secretário de Planejamento da Prefeitura dizendo que liberava o loteamento porque o dono se comprometia a preservar “o que encontrara”. Pode?
Mas não desisti da imobiliária. Sabem como é? A cidade está crescendo muito e ouvira dizer que o Governo do Estado estava interessado em trocar um terreno bom num dos bairros mais promissores da cidade por outro, ainda que menor e mais barato, num lugar em que pretendia construir umas repartições para a Polícia.
Um dos meus terrenos parecia perfeito para o negócio e fui lá oferecer. Mas nem quiseram me receber. Mandaram dizer que para essa permuta só servia o terreno que o cara mais rico da cidade havia comprado dois ou três anos atrás ao próprio Estado. Dias depois, soube que o negócio fora fechado, com autorização legislativa e até da Justiça, que limpou o terreno para o troca-troca e a felicidade geral das partes interessadas.
Depois dessa, fechei a imobiliária e me convenci. Eu não sei ganhar dinheiro. Só salário. Mas meu amigo que ficou rico com lances assim, não desistiu de me ver bem sucedido no meio em que ele se deu bem. Veio me sugerir outro dia criar uma organização social para gerir hospitais públicos. Disse-me que um povo da Baixada Fluminense anda ganhando dinheiro com força nessas histórias. “É só se acertar com os home”, garantiu. “Vou pensar, vou pensar”, disse a ele.