Franklin no reverso

Nonato Guedes

Sinceramente, gostaria, algum dia, de conhecer mais de perto o jornalista Franklin Martins, que saltou do colunismo político em “O Globo” para o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República no governo de Lula. Ele deixou na gaveta um projeto que ainda hoje causa pavor a profissionais da imprensa, tratando da regulamentação da mídia contra possíveis excessos cometidos contra o governo. É uma concepção equivocada porque ignora que há uma Constituição que define os limites de atuação dos meios de comunicação e suas conseqüentes responsabilidades. Por outro lado, quando sai do Olimpo, o governo sempre tem espaços para fazer valer a sua versão. Franklin, do outro lado do balcão, entendia, num depoimento em 2010 ao site “Congresso Em Foco”, que havia má vontade do que chama de “jornalões” para com Lula. Ele trabalhou num desses jornalões, só para lembrar.

Franklin se contradiz na entrevista quando afirma que para fazer contraponto à ofensiva midiática negativa, o próprio Lula tomou a iniciativa de conceder entrevistas a repórteres, de receber jornalistas no Palácio do Planalto. Na conjuntura atual, a presidente Dilma, por sua vez, foi mais além. Regionalizou a mídia institucional, o que foi um ponto positivo, porque traduziu o reconhecimento à importância dos órgãos de comunicação das pequenas e médias cidades. Mas, voltando a Franklin: ele enfatizava, no mencionado depoimento, que a manchete não é mais forte que a experiência das pessoas. Quis dizer, segundo deduzi, que é besteira qualquer órgão de imprensa tentar forjar denúncias em busca do mero sensacionalismo, insultando a capacidade de discernimento do cidadão comum. Seria o caso, talvez, de indagar quantas vezes, como colunista independente (?), Franklin insultou a opinião pública com alguma informação, supostamente julgando-se dono da verdade.

Se é para ser transparente, é preciso deixar claro que se está do outro lado do balcão, e, nessa circunstância, Franklin, como qualquer mortal, veste a camisa do patrão. Como antes vestia a camisa da empresa em que trabalhava, o conglomerado denominado de Organizações Globo. Deveria ter uma visão mais condescendente sobretudo com seus colegas jornalistas, já que nesse depoimento se mostrou generoso com os donos dos veículos de imprensa. “Diariamente o governo goleia a imprensa por cinco a zero”, diagnosticava o ex-ativista político que, em tempos de combate ao regime militar, participou da operação de seqüestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick. Era, então, vinculado ao MR-8, uma das dissidências de esquerda que proliferaram pelo país, pregando, se fosse o caso, a luta armada como pomada maravilha para derrubar os militares encastelados no poder. Do qual caíram de pôdre, e de exaustão.

Na travessia entre a redação e o governo, Franklin mudou radicalmente de opinião. E não se está aqui a censurá-lo. Tinha o direito de fazê-lo, de buscar novas opções que o afrodisíaco poder proporciona, por que não? Daí a renegar o passado glorioso na imprensa, em que passou de repórter a colunista prestigiado, é outra história, que não sensibiliza necessariamente pessoas com visão crítica. Extraiu, da convivência com o poder, a lição de que o governo Lula encerrou-se com altíssimos índices de aprovação enquanto a imprensa patinava no lamaçal da falta de credibilidade. Esse diagnóstico ajuda a entender a metamorfose porque Franklin passou, a guinada espetacular a que submeteu a sua própria biografia. Nada a opor às suas razões ou ambições pessoais. Dizer, contudo, que a mídia chegou a adquirir na Era Lula um viés muito partidário, fazendo dobradinha com a oposição institucional, é demais, não acham?

A tese da regulamentação da mídia continua em pauta, agora encampada pela ministra Helena Chagas e ostensivamente defendida pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão. Continuo, pessoalmente, mantendo minha posição contrária a qualquer tipo de controle sobre quem quer que seja. É algo que me dá urticária profunda, mas ‘entendo’ as razões, para tanto, dos que se aferram a essa pregação de censura. O que é lamentável é que profissionais de imprensa, pelo simples fato de ascenderem a um cargo na escala do poder político, passem por uma alteração de comportamento espetacular. A vantagem, para a própria sociedade, continua sendo a de que o poder é efêmero para quem o exerce. A imprensa, com seus altos e baixos, continua sobrevivendo a séculos de opressão ou democracia.