Objetificação?

Fotógrafo gera polêmica ao convidar mulheres para fotografar suas vaginas: VEJA VÍDEO

O post da discórdia foi uma foto do quadril de uma mulher usando apenas calcinha e a frase "tire essa vergonha e vamos conversar".

Quando resolveu usar suas redes sociais para convocar voluntárias para seu atual projeto, o fotógrafo brasiliense Kazuo Okubo, de 59 anos, não esperava enfrentar a fúria de mulheres de todo o Brasil. O post da discórdia foi uma foto do quadril de uma mulher usando apenas calcinha e a frase “tire essa vergonha e vamos conversar”. O objetivo era atrair voluntárias para um “ensaio fotográfico dedicado às vaginas”, que recebeu o nome de “O Inventário”.

Em poucas horas, uma enxurrada de críticas tomou conta da sua timeline. “Começou com alguns comentários. Deletei uma meia dúzia, os mais agressivos e, da noite pro dia, havia mais de dois mil comentários. Num primeiro momento fui muito agredido”, relembra Kazuo, que, a pedido de Universa, falou publicamente sobre o episódio pela primeira vez: “Não sou feminista, mas sou um apoiador das causas feministas. Fiquei triste com tudo isso”.

Kazuo Okubo é um nome bastante conhecido no meio da fotografia, com pelo menos 30 anos de carreira em Brasília. Trabalha no mercado publicitário, mas também faz projetos autorais, muitos deles retratando a nudez. Estima já ter fotografado pelo menos 400 pessoas nuas.
Do outro lado da tela, a braziliense Luísa Dalé, de 28 anos, era uma entre centenas de pessoas incomodadas com a proposta. “Não é possível que não enxergue o quanto isso é ofensivo. É perpetuar aquele pensamento de que o nosso corpo ou a nossa genitália possam ser colocados em um inventário e expostos na parede” criticou. Luísa integra o Mulheres do Audiovisual do Distrito Federal, grupo que reúne cerca de 250 profissionais do sexo feminino que atuam neste mercado apenas na capital federal.

Sem crítica ou diversidade

A maior parte dos comentários negativos acusa o autor de objetificar o corpo da mulher reduzindo sua representação ao mais íntimo detalhe da sua anatomia, sem expor sua identidade, opinião ou história. “Não há nada original nesse projeto, ele não propõe diversidade, não propõe crítica. Kazuo não é um fotógrafo conhecido como crítico pra fazer um inventário de xoxota e dizer que isso é arte”, continua Luiza.

A reação negativa nas redes surpreendeu Kazuo, que se deparou pela primeira vez com a força das pautas feministas nas redes sociais. O fotógrafo admite ter cometido “uma sucessão de pequenos erros”, a começar pelos termos do convite, criado por uma redatora publicitária que ele contratou.

“Uma das críticas que recebi foi a questão do lugar de fala. De fato não tenho autoridade, não tenho uma vagina. Mas a arte é livre, independe do gênero. Poderá acontecer de eu fotografar pintos, não tenho essa fixação no feminino. A minha intenção jamais foi agredi-las. Já expus na SP Arte, em museus, galerias. Nunca ninguém havia me criticado por isso. Talvez pela forma como abordo, pela delicadeza”, ponderou Kazuo.

Dias depois circulou pelas redes sociais uma extensa carta de repúdio assinada por nove coletivos de fotógrafas e profissionais do meio audiovisual. Juntos, os grupos representam centenas de mulheres de todo o país.

O texto fala sobre como o machismo estrutural prejudica as mulheres duplamente ao jogar um véu de invisibilidade sobre elas, sejam as que trabalham na produção de imagens, sejam as que são retratadas nessas imagens. “Não conheço o Kazuo a fundo, mas você olha trabalhos anteriores e ele usa o corpo da mulher como ilustração, como objeto. E são sempre corpos bonitos, há um padrão ali” analisa Marizilda Cruppe, fotógrafa e integrante do YVY Mulheres da Imagem.

Lugar da mulher x Feminismo

Uma das principais e mais respeitadas curadoras de artes visuais do país, Rosely Nakagawa está no projeto e comentou a polêmica pela primeira vez. Para Rosely, a representação do corpo da mulher sob a ótica do desejo do homem, no caso da arte, não é em si um problema, pois se diferencia da exploração feita pela publicidade, por exemplo.

“As gerações que hoje proclamam o feminismo estão confundindo um pouco o lugar da mulher com feminismo. Essa polarização é muito nociva à sociedade e cultura brasileiras, pois ajudam mais a confundir do que a difundir um conceito de igualdade. Igualdade entre gêneros começa pelo respeito ao outro, ao diferente e não reforça a negação do outro do diferente, do que não pensa ou não vive como eu. Estamos discutindo o fazer artístico, acima de tudo, e inclusive. Cheguei a ouvir que somente a mulher é capaz de retratar a nudez de outra mulher”, analisa Rosely.

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

“Comecei a me libertar mais”

Uma das primeiras voluntárias a se inscrever no projeto, Camila RIbeiro, de 21 anos, considera a nudez libertária. Há cerca de dois anos ela participou de uma performance que reuniu 115 pessoas fotografadas nuas para as lentes de Kazuo no Museu da República de Brasília.”Depois dessa experiência comecei a me libertar mais. Sentia muita vergonha do meu corpo e isso me ajudou. Acho que as mulheres precisam de um olhar diferente sobre elas mesmas. A autoestima pra nós é um processo complicado e uma construção diária”, analisa.

É o que pensa também Didi Ribeiro, de 47 anos. Apesar de ter ficado incomodada com os ataques, ela entende que as mulheres precisam ser ouvidas em suas reivindicações e acha que o episódio foi um bom aprendizado para o amigo fotógrafo. Mas discorda das críticas. “Não acho que seja degradante, é político mostrar o meu corpo do jeito que eu quero. Podem achar que sou maluca me expondo, mas eu vejo como empoderamento. Uma obra quando é arte não precisa ser explicada nem posicionada”, conclui.

Apoio financeiro

Em nota, a secretaria de cultura do Distrito Federal, responsável pelo Fundo de Apoio à Cultura (de quem Kazuo recebeu R$ 119 mil para a realização das fotos, de uma exposição em Brasília e em outras duas cidades, além de um livro), informou que na mesma linha de apoio que selecionou O Inventário outros três projetos foram contemplados, todos de proponentes mulheres. O processo de seleção é feito por pareceristas credenciados e mantidos em um banco de dados. “Os conselheiros do Conselho de Cultura do DF indicam nomes, a partir desse banco, para que seja realizada analise e a emissão de parecer técnico de cada projeto. Por meio de fichas de análise de pontuação com diversos itens técnicos e artísticos, comissões formadas por esses pareceristas debatem para que se alcance consenso a respeito do mérito cultural de cada projeto. No caso específico da comissão que julgou os projetos da linha em que ‘O Inventário’ concorreu, foi composta por um parecerista homem e duas mulheres”

O projeto segue em frente, porém com algumas mudanças: vai aumentar as contrapartidas para as voluntárias. Antes receberiam o catálogo da exposição, hoje ganham um ensaio com o fotógrafo.

“Admito que houve uma sucessão de pequenos erros e os comentários construtivos foram refletidos e assimilados. A verdade é que o brasileiro é muito conservador e moralista. Não tenho que pedir permissão pra fazer fotografia. Peço pra dona e, se ela quiser, está tudo certo.”, conclui Kazuo.

Fonte: Universa
Créditos: Universa