Finados, seca e insensibilidade

Paulo Santos

Nenhuma data é mais adequada para escrever sobre mais um drama da seca no Sertão do que o Dia de Finados. A morte da sensibilidade precisa ser lembrada hoje. Ilustre finada que lmpede ricos e pobres, brancos e negros, crentes e ateus de se compadecerem do sofrimento de milhões de pessoas que não têm culpa de povoar os ambientes áridos do Nordeste.

A sensibilidade dos homens públicos morreu quando as campanhas eleitorais foram se transformando nessas máquinas trituradoras de ideais, atitude para esmagar a compaixão pelo sofrimento alheio, distribuição de bolsas-migalha que não dão peixe nem ensinam a pescar.

A sensibilidade social foi sepultada pela força de um crescimento econômico artificial que mede o nível de riqueza de um povo pelo número de celulares em uso e não pelo número de crianças que vão á escola, pelas vidas que são salvas da fome ou pelo drible na morte em hospitais ou postos de saúde.

A sensibilidade morre a cada orçamento federal, estadual ou municipal que joga nos túmulos da corrupção os recursos que poderiam ser canalizados para projetos de açudes, barreiros, adutoras e outros instrumentos adequados para armazenar e distribuir água nos confins nordestinos.

A sensibilidade é sepultada pela omissão de falsos sindicalistas que se escondem nos biombos da pelegagem e, por ignorar o sentido de suas missões sociais, não usam suas entidades como instrumentos de reivindicação, se possível com atitudes radicais que chamem a atenção nacional e internacional.

A sensibilidade sucumbe diante de declarações de autoridades despreparadas que preferem o conformismo ao dinamismo, que aguardam comodamente seus salários em contas bancárias e não justificam as remunerações com atitudes comprometidas com a população carente.

A sensibilidade morre todos os dias quando a seca se transforma em paisagem para a demagogia fácil, para a falsa humildade, para atitudes messiânicas de profetas de araque, para reverendos – padres e pastores – que já não têm água nem para batismo. Não se sabe se o ser humano é escravo das oscilações climáticas ou da insensibilidade, pura e simples.

A seca sempre foi menor que os engenheiros e os poetas, raquítica diante dos artistas e dos sonhadores, mas sempre foi aliada dos homens de má vontade, irmã gêmea dos mentirosos e enganadores, filha dileta da hipocrisia, madrasta de muita pessoas honestas e sem oportunidades.

Neste Finados não há como deixar de reverenciar a ilustre figura da sensibilidade que está insepulta em vários pedaços do Sertão seco, com túmulos marcados por gravetos empoeirados e esturricados. Pena que um povo tão jovem tenha que conviver com agruras tão antigas.