Gilvan Freire
Se alguém planta uma roça de feijão com o firme propósito de matar a fome de muita gente, é inteiramente possível que a safra seja bem maior do que a roça do avarento que planta outra roça apenas para alimentar a si mesmo, enquanto seus vizinhos passam toda a sorte de privação.
É que o bem e o mal têm uma imensa capacidade de propagação, mas o bem, que exige boa intencionalidade e rega generosa, tem mais ampla possibilidade de produzir mais. Bem e mal, se fossem ambos equivalentes em seu potencial de gerar resultados, fatalmente o bem desapareceria em pouco tempo, pela desproporcional força destrutiva que o mal possui.
O mal existe. Tanto quanto existe o homem mau, o que não tem generosidade em seu coração, aquele que não tem a rega para a obra do bem. Mas assim como o bem é a compensação de quem não faz o mal, pela mesma razão o mal há de ser a compensação de quem não faz o bem.
O galo brigão que queria fazer o bem e o mal
Cássio Cunha Lima foi educado dentro de casa para fazer somente o bem, mas a política, arte belicosa para a qual foi treinado, exigir-lhe-ia o dever de fazer também o mal, cada coisa destinada aos correligionários ou adversários de sua vida pública, iniciada na adolescência. Ele eletrizava as multidões tangidas pelo pai, um orador inflamado e poeta do gosto popular, mas o filho se encarregou de enfrentar os desafetos das disputas eleitorais – um ringue onde o inimigo batia na cara que o eleitor chamava de coisa linda.
De tanto bater nos outros desde os primeiros momentos, Cássio foi criando musculatura. Apanhava quase nada e batia muito, e ainda formando penugens passou a ser apelidado de Galo de Campina, um pinto com valentia de avestruz silvestre. No temperamento cultuado de galo de briga, Cássio teria de amar a seus amigos e aliados, mas teria de cultivar o ódio aos que cruzassem seu terreiro como competidor. E se dividiu entre a paz e a guerra, uma repartição de pedaços em que o homem entrega uma banda a Deus e outra ao diabo.
Mas o lado mau que Cássio desenvolveu para combater e perseguir seus adversários, rendeu tantos transtornos e amarguras que os inimigos lhe tiraram as plumas e lhe quebraram as asas, só porque o mal, ainda que limitado, tem uma força monstruosa em seu retorno. Quando o mal e o bem são plantados no mesmo roçado e não houver trato para separar o feijão do homem bom do feijão do homem mau, como ervas daninhas as plantas do homem ruim destruirão a plantação do homem bondoso. Depois de alguns anos, Cássio descobriu que o poder só serve para se fazer o bem. E sua lavoura cresceu.
RC e a semeadura de más sementes
O governador Ricardo Coutinho tem quase a mesma idade de Cássio, mas a escolha entre fazer o bem e o mal está ainda no começo. O povo arou e lhe deu uma roça para plantar feijão, grão do bem para ser semeado e regado por um homem supostamente bom, a fim de que a generosidade fertilize o solo e a colheita seja ainda maior do que fora prevista.
Mas RS planta duas sementes em cada cova, uma para si mesmo e a outra para os que araram a terra. Uma das duas vai atrofiar a outra, e é possível que o semeador perca toda a semeadura. Como o feijão que haveria de saciar a fome do povo, essa semente mal cuidada, sem a rega do bem e da generosidade, vai ser enterrada debaixo do solo, mas dali não nascerá um só pé de grão.
Fazendo o mal a tanta gente vulnerável e plantando tantos grãos podres, RC não tem como colher uma boa safra. Assim como Cássio nos tempos mais dramáticos, RC está vivendo a fase em que o mal que faz está dando o mais perverso dos retornos.
Não bastasse o terreno da Acadepol ter arrastado a imagem moral do governador para a sarjeta, ecoam fatos que comprometem a trajetória de RC desde o tempo em que era prefeito. Mas tudo funciona conforme a sentença política histórica: o que produz o bem é o bem que você faz. E o mal que você não faz.