Eduardo Varandas

A necessidade de controle externo sobre as contas públicas não é novidade na História da humanidade. O Código de Manu (séc. XIII a.C), no livro concernente ao direito público, já dispunha sobre a administração financeira e seus instrumentos de fiscalização. Até na China antiga, já se tinha notícia de um órgão chefiado por um censor, dotado de competência para fiscalizar a atividade orçamentária do Estado e até do Imperador.

Depois da Magna Carta inglesa (1215) e da Revolução Francesa (1789), seguindo exemplo dos dois países (“Comptroller General” e “Chambres dês Comptes”), Nações do mundo inteiro adotaram alguma espécie de controle de contas públicas, incumbindo a uma instituição específica tal mister.

É claro que essa postura foi – e é – necessária. O Poder Público precisa ser alvo de vários agentes fiscalizadores, sob pena de se pôr o interesse pessoal dos governantes acima dos interesses primários da sociedade. Assim, quando falamos de um Estado de Direito, a fiscalização das contas públicas não só é importante, como também constitui lemento indisponível para o fortalecimento da democracia, com a efetiva transparência e legalidade na aplicação dos recursos públicos em prol do bem comum.

No Brasil, desde 1680, havia as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, todas jurisdicionadas a Portugal, as quais perfaziam a averiguação das despesas públicas.

Vários órgãos, em terras tupiniquins, sucederam-se nessa função fiscalizadora, ao longo do processo histórico: Erário Régio, Conselho da Fazenda e Casa dos Contos. Finalmente, com a queda da monarquia, através do Decreto n. 966/A, subscrito em 7 de novembro de 1890, criou-se o Tribunal de Contas da União. A sua efetiva instalação, todavia, apenas aconteceu em 17 de janeiro de 1893.

Alternando-se como órgão do Poder Judiciário ou do Legislativo, o TCU mantém-se até os dias atuais. Os Estados, nas suas Constituições, seguiram o exemplo da Federação e instituíram seus próprios Tribunais de Contas, com idênticas prerrogativas e competências da Corte nacional.

Como dito, não é exclusividade do Brasil instituir órgãos encarregados de fiscalizar o Erário. A grande questão que se põe à sociedade, contudo, é averiguar se tais entidades exercem, de fato, com eficiência e com compromisso públicos, sua função maior: a fiscalização das contas públicas.

É preciso reconhecer que, nos casos do TCE-PB e do TCU, o corpo técnico que integra os referidos órgãos é de excelente qualidade. Auditores e procuradores, concursados, profundos conhecedores do direito administrativo e financeiro, exercem suas atividades funcionais com zelo e com independência.

O problema é que o julgamento das contas é feito pelos Conselheiros – no caso dos TCEs – ou pelos Ministros – no caso do TCU. A maciça maioria dos membros dessas Cortes de contas é composta de ex-políticos, com pouco ou nenhum conhecimento jurídico para o desempenho da atividade.

Mas, não é apenas isso! Muitos são comprometidos politicamente com o agente público responsável pela sua nomeação. Diz-se que a premiação dos ex-políticos é granjear um cargo de Conselheiro ou de Ministro nos Tribunais de Contas do país.

Isto é trágico: todo o trabalho de qualidade feito pela auditoria ou pelo Ministério Público de Contas pode escorrer pelo ralo da ineficácia, dependendo da deliberação dos integrantes do colegiado julgador. Lamentável!

À guisa de prolepse, pincemos, como exemplo, a História contemporânea da Paraíba. Os governadores que se sucederam nos últimos vinte anos, “pintaram e bordaram” na administração pública, e pouco se viu da postura repressiva do TCE. Permanecem, por décadas, milhares de servidores temporários nos quadros do Estado, sem se submeterem a qualquer concurso, cujo salário serve de moeda de troca para os certames eleitorais. Alguns desses “servidores” nem contracheque têm, percebendo vencimentos pelo número do CPF.

Por outro lado, recentemente uma revista de circulação estadual revelou como funciona o esquema de caixa dois feito com bandas de forró, em que os Prefeitos, verdadeiros aldrabões e larápios do dinheiro público, negociam, com empresários, comissões para o patrocínio das suas campanhas eleitorais.

Num país que ainda lida com o problema da miséria e de falta de estrutura minimamente razoável em escolas ou na Saúde públicas, um possível desleixo de um Tribunal de Contas com a sua missão constitucional deveria ser tipificado como “crime contra a humanidade”, posto que os recursos necessários à melhoria de vida da população acabam no bolso de políticos que rastejam, há anos, nas tetas do poder.

Para a reconstrução de uma República efetivamente proba, a função do Tribunal de Contas é “conditio sine qua non”. Caso contrário, como diria a boneca Emília do grande escritor Monteiro Lobato, tudo não passará de um “faz-de-contas”.