Fabricando monstros

Rubens Nóbrega

Quando comecei a escrever esta coluna, final da tarde de sexta última, ainda não dispunha de informação consolidada apontando a verdadeira causa da morte das irmãzinhas de um e dois anos inicialmente dadas como vítimas de estupro cometido pelo próprio pai e, depois, de estranho envenenamento.

Esse intróito serve para dizer ao leitor que a minha única certeza até então era a de que a tragédia estava bem maior anteontem do que quando se esboçou na quinta (10) em Mangabeira, Capital, na casa onde as meninas moravam com os pais e uma irmã pouco mais velha e as menorzinhas foram encontradas em agonia, pela mãe. Na manhã de sexta, a tragédia já assumia dimensões de catástrofe para fazer novas vítimas. A primeira delas, a presunção de inocência do pai, um jovem de 22 anos, ex presidiário (cumpriu pena por assalto), que por açodamento da autoridade policial foi detido e lançado às feras como mui provável autor de uma monstruosidade. A atitude da delegada do caso, de dizer à imprensa que o pai das meninas parecia um psicopata e quase certo estuprador das próprias Filhas, não apenas o expôs à execração pública como colocou a prêmio a cabeça do rapaz dentro do cárcere, onde a vida de alguém acusado de violentar crianças não vale um vintém furado.

Ato contínuo, radialistas que fazem sucesso com a espetacularização do macabro julgaram e condenaram sumariamente o ‘monstro’ – sem direito à defesa, como sói – e ficaram torcendo – alguns bem exaltados – pela entrega do ‘réu’, na cadeia, a algum comitê de execução por linchamento, curra, esquartejamento ou fogueira. Não foi a primeira nem será a última que inocentes ou presumíveis inocentes correm risco de morte por conta da incompetência policial somada à indigência jornalística de determinado segmento da mídia paraibana que faz sucesso no rádio e na tevê, sobretudo, na base do histrionismo temperado pelo grotesco e escatológico.

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Domingo passado contei aqui a história do dono de um promissor restaurante da Capital, especializado em bode guisado, que foi à falência nos anos 60 depois que um radialista pilantra espalhou que era de cachorro a carne servida naquele estabelecimento. E fez isso porque teria sido cobrado a pagar o que bebia e comia no restaurante. A histórica é verídica. Esqueci de dizer e deixar bem claro que o artigo servido há sete dias baseava-se em fatos reais. De qualquer forma, informo agora e acrescento que ficcionei um pouco para dar um realce, mas preservei a identidade real dos personagens para não causar constrangimentos aos herdeiros dos dois lados.

De todo modo, juntando os dois fatos, o de 50 anos atrás e esse que estarreceu inadvertidamente a opinião pública da quinta pra sexta, dá pra ter uma idéia do que esse pessoal é capaz. Refiro-me a quem faz qualquer coisa tanto para obter audiência quanto para obter vantagens imorais.

 

Esse tipo de ‘profissional’ tem sido uma tragédia continuada da nossa comunicação de massa. Há mais de 35 anos testemunho, com tristeza, a facilidade e desenvoltura com que picaretas invadem esse ofício para achacar cidadãos de bem e agredir quem lhes denuncie as práticas infelizes, os maus costumes e a venalidade com se relacionam com os ricos e poderosos da hora.

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Nessa linha, vou lhes contar mais uma. Dessa vez, o caso de um radialista famoso nos 60 e 70 que inventou de instalar uma teúda e manteúda em Mandacaru e ligeirinho entrou para a galeria dos chifrudos. Um motorista de táxi com ponto nas Cinco Bocas foi eleito urso e a partir daí o suposto pé de lã experimentou o inferno em vida.

O táxi do cidadão era um Opala vermelho, quatro portas, que a partir de certo momento passou a ser incluído em toda cena de crime insolúvel registrado em João

Pessoa. Se achavam um ‘presunto’ em Jacarapé, no seu programa de rádio ‘líder do ibope’ o corno informava ‘em primeira mão’ que um Opala vermelho fora visto no local onde encontraram o cadáver.

De tanto o Opala freqüentar desovas, a Polícia acabou chegando no dono do carro. E aí, amigo, tome peia! Da primeira vez, o sujeito não confessou, apesar de apanhar muito, porque sua família contratou advogado que conseguiu tirar o taxista do xadrez. Mas, passado algum tempo, outro presunto apareceu e…

“O assassino do Opala vermelho volta a matar e agora deve fugir porque a Polícia pegou o homem e soltou”, anunciou o tal aos seus ouvintes. E, sem entender porque estava passando por tamanha e dolorosa provação, o taxista foi novamente detido e submetido a uma nova e prolongada sessão de tortura policial. Dessa vez, ele não agüentou. Assinou circunstanciado depoimento no qual confessava ‘com riqueza de detalhes’ quantos, quando, onde e como matara suas vítimas. Foi enquadrado como latrocida e antes mesmo de chegar ao Roger carregava a fama de assassino dos mais cruéis da história da ‘crônica policial’.

Por aí vocês tiram também que muitas das vezes nãose trata de julgamento apressado. Há fi guras que atuam no rádio, jornal e tevê e, em situações assemelhadas, não hesitam um segundo em fabricar um monstro. Não têm um segundo de pena ou arrependimento ou um pingo de remorso se esse monstro fabricado vier a ser trucidado. Até por que nessa fábrica os insumos são encontráveis no próprio caráter de seus operários e mestres. E o que faltar eles pegam em alguma delegacia.