O Polêmica Paraíba teve acesso com exclusividade a decisão da Justiça que ordenou ao Ministério Público que abrisse um inquérito contra a Superintendente do Banco do Brasil na Paraíba, Maristela de Oliveira Salles, por desobedecer a decisão judicial que ordenava a liberação de crédito ao Governo do Estado.
A Justiça deferiu o pedido liminar do Governo do Estado contra a Superintendência do Banco do Brasil a fim de determinar que a instituição financeira assinasse os contratos referentes às operações de créditos constantes dos autos, sob pena de multa diária correspondente a 10% (dez por cento) do valor dos contratos aditivos referentes ao programa de infraestrutura, no valor de R$ 112.800.000,00 (cento e doze milhões e oitocentos mil reais), e o programa “minha casa minha vida”, no valor de R$ 36.943.220,59 (trinta e seis milhões, novecentos e quarenta e três mil, duzentos e vinte reais e cinquenta e nove centavos).
O Juiz de Direito plantonista e, depois, a da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, entendeu que por se tratarem de contratos para financiamento de programas de interesse público e social, a recusa em assinar o negócio jurídico não tem justificativa sustentável, configurando conduta abusiva, devendo prevalecer o interesse público.
Inconformado, o Banco do Brasil S/A agrava de instrumento, aduzindo que existem dívidas do próprio Estado da Paraíba em face do mesmo, o que são fatores impeditivos à concessão dos créditos pleiteados, bem como que existem pendências do Estado junto à Secretaria do Tesouro Nacional que precisam ser sanadas, sob pena de não liberação dos recursos contratados.
Com isso, pela atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso e, no mérito, pela reforma da decisão vergastada, a fim de desobrigar a instituição bancária a assinar os aditivos contratuais, bem como para revogar/cassar a multa diária arbitrada em desfavor de si, haja vista sua exorbitância e desproporcionalidade, evitando, com isso, o enriquecimento sem causa do Estado.
Veja a decisão na íntegra:
D E C I D O
“Ab initio”, não custa lembrar que a ação possui determinadas condições para ser validamente constituída, o recurso também tem seus requisitos de admissibilidade, os quais a doutrina divide em intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse ou inexistência de fato impeditivo ou extintivo do ônus de recorrer) e extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e preparo).
Como a matéria pertinente ao juízo de admissibilidade é quase sempre de ordem pública, deve, quando for o caso, portanto, ser conhecida “ex officio”.
A circunstância da não ocorrência de uma das condições de admissibilidade é suficiente para o julgador “ad quem” não admitir o recurso, o que inviabiliza a continuidade do procedimento.
Da competência da Justiça Estadual
A instituição financeira agravante argui preliminar de incompetência da Justiça Comum Estadual, requerendo o deslocamento da competência para a Justiça Federal, alegando interesse da União Federal, vez que a mesma atua no contrato de empréstimo como garantidora e em face de ser a principal acionista do Banco do Brasil S/A.
Ora, esta interpretação extensiva teria o condão de deslocar todas as ações judiciais movidas em face do Banco do Brasil para a justiça federal, em que pese a natureza jurídica de sociedade de economia mista deste e não de empresa pública, o que contraria a norma do art. 109, I, da Lex Mater.
Conquanto seja admissível a intervenção anômala da União plasmada no art. 5º da Lei nº 9.469/97, tal circunstância não tem o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal, o que só ocorre no caso de demonstração de legítimo interesse jurídico na causa, nos termos dos arts. 119 a 124 do NCPC. Senão, vejamos o paradigma abaixo:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO ANÓDINA DA UNIÃO. ART. 5º DA LEI Nº 9.469/97. INTERESSE MERAMENTE ECONÔMICO. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. Conquanto seja tolerável a intervenção anódina da União plasmada no art. 5º da Lei nº 9.469/97, tal circunstância não tem o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal, o que só ocorre no caso de demonstração de legítimo interesse jurídico na causa, nos termos dos arts. 50 e 54 do CPC/73.
2. A interpretação é consentânea com toda a sistemática processual, uma vez que, além de não haver previsão legislativa de deslocamento de competência mediante a simples intervenção “anômala” da União, tal providência privilegia a fixação do processo no seu foro natural, preservando-se a especial motivação da intervenção, qual seja, “esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria”.
3. A melhor exegese do art. 5º da Lei nº 9.469/97 deve ser aquela conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 70 da Lei 5.010/66 e art. 7º da Lei nº 6.825/80, porquanto aquele dispositivo disciplina a matéria, em essência, do mesmo modo que os diplomas que o antecederam.
4. No caso em exame, o acórdão recorrido firmou premissa, à luz dos fatos observados nas instâncias ordinárias, que os requisitos da intervenção anódina da União não foram revelados, circunstância que faz incidir o Verbete Sumular nº 07/STJ.
5. Recurso especial não conhecido.
(STJ – REsp 1097759/BA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 01/06/2009). (grifei).
Saliente-se, por relevante, que o Banco do Brasil é sociedade de economia mista, pessoa jurídica de direito privado, e que a celebração do contrato de aditivo é com o Estado da Paraíba. A União é apenas avalista/garantidora, inclusive a sua posição será assumida após a celebração contratual, razão pela qual é desprovida de sustentação jurídica essa arguição levantada pelo Banco/Agravante.
Com efeito, fica afastada a inadequada alegação da competência da Justiça Federal.
Considerando que o recurso satisfaz todos os requisitos de admissibilidade recursal, intrínsecos e extrínsecos, conheço do presente agravo de instrumento.
Superadas estas fases, ao relator abre-se a possibilidade de atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal.
É o que ensina o art. 1019 e 995, do NCPC:
“Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:
I – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (grifei)
E
Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.
Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso. (grifei)
Vê-se que para a análise do pedido de atribuição do efeito suspensivo ao recurso, há a necessidade da coexistência de dois requisitos: 1) potencialidadede de dano grave, de difícil ou impossível reparação e, 2) probabilidade de provimento do recurso.
Neste diapasão, o julgador deve analisar os fatos do processo e, sob o princípio da persuasão racional, dizer se na hipótese estão presentes ou não os requisitos para concessão do efeito suspensivo ao agravo de instrumento e, por consequência, se concede ou nega o pedido.
Do exame dos autos, perfazendo um juízo de prelibação das razões expendidas pelo recorrente, “in casu subjecto”, vê-se estar ausente o segundo requisito, qual seja, a probabilidade de provimento do recurso, isso porque, no que alude à manifestação do agravante, relativamente à suposta inadimplência do agravado com a referida instituição bancária, verifica-se que a legislação invocada cinge-se o inadimplemento relativo a “operações de crédito”, que vem a ser todo compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.
No entanto, observa-se que a inadimplência apontada pelo banco agravante diz respeito à quebra do contrato nº 001/2013, celebrado com o Estado da Paraíba, e agora, licitada em favor do Bradesco, referente a venda da folha de pagamento dos servidores estaduais.
Argumenta que a alegada quebra de contrato colocou o Estado da Paraíba na condição de inadimplente, o que lhe impede, à luz das normas do Conselho Monetário Nacional, de celebrar os aditivos objetos desta querela judicial.
Aqui merece realce distinguir a inadimplência proveniente de operações de crédito, da quebra de suposto contrato de prestação de serviços.
Se houve quebra de contrato da prestação de serviço deve esta ser objeto de debate extrajudicial ou judicial para definição de responsabilidade civil, mas não de empeço à pactuação de aditivos de empréstimos com a finalidade de atender ao interesse público.
A quebra de contrato de prestação de serviços se resolve judicialmente, mas não pode servir como justificativa para a não contratação de contratos aditivos de linhas de créditos destinada ao bem-estar social e, com a aval do Tesouro Nacional.
A posição adotada pelo Banco do Brasil soa como uma coação, ou seja, uma exigência forçada para receber valores que entende ter direito, em face da alegada quebra do contrato de prestação de serviços da folha de pagamento de pessoal, para poder firmar os contratos aditivos objetos desta causa.
Nesse toar, não se mostra legítimo que o banco use de tal manobra para forçar a obtenção da indenização que julga ser credor, não havendo espaço nesta ação para discutir o mérito dessa suposta dívida reclamada pelo agravante.
Idêntica argumentação utiliza o agravante relativo ao contrato nº 019/2015, que tem como objeto as transferências para a conta única do Tesouro do Estado. Outro contrato de prestação de serviço que não pode ser usado para impedir a operação de crédito autorizada pelo Tesouro Nacional, perante quem o Estado da Paraíba se encontra em situação de plena regularidade.
No que alude ao contrato de financiamento mediante abertura de crédito nº 20/00106-1 (Doc 08), que celebram o Banco do Brasil e o Estado da Paraíba no âmbito do Programa de Financiamento da Contrapartida do PROGRAMA CPAC – BNDES – para fins de obras e serviços de infraestrutura, não há como ser invocado como motivo de impedimento, sob o pálio de suposta inadimplência, em virtude da sua natureza e especificidade.
Esse contrato de financiamento não se cuida de um cartão de crédito ou de empréstimo pessoal; tem natureza específica que envolve diversos fatores entre os seus celebrantes.
Ademais, não há comprovação de que seja da responsabilidade do ente estatal, e se fosse, caberia adotação de medidas legais extrajudiciais e/ou judiciais, o que não se encontra demonstrado nestes autos.
Por tudo que foi examinado, vislumbra-se que o agravante (Banco do Brasil), pela sua gama de argumentação, objetiva utilizar a sua resistência em celebrar os contratos aditivos como instrumento de coação para obter o recebimento de valores que alega ser credor em razão de eventual descumprimento de contratos de prestação de serviços acima mencionados.
Não há como se admitir que a pactuação dos aditivos em questão tenha como condição o prévio pagamento de dívida controvertida, isto porque não há espaço, na celebração dos contratos aditivos, para a defesa que é própria de uma ação de cobrança.
A via judicial mostra-se adequada para a perquirição de direitos vindicados pelas presumidas ou imaginadas dívidas, mas não como condição ou exigência prévia para a celebração dos aludidos contratos de aditivos.
Quanto a afirmação do Banco de que “existem pendências” do Estado da Paraíba perante o Tesouro Nacional, fato que usa para justificar a sua negativa na celebração dos contratos de aditivos, objetos do ofício nº 69/2018 (Doc. 29), sugere a falta de lealdade processual de sua parte, porquanto o referido expediente reclama, apenas, “a assinatura dos instrumentos contratuais de garantia e contragarantia subscritas pelo ente e pela instituição financeira”, no seu item 2, que vem a ser a assinatura dos contratos de aditivos.
Isso significa que após estes contratos é que serão adotados os demais procedimentos junto ao Tesouro; ou seja, os aditivos são pressupostos para os atos subsequentes.
Mais ainda, a documentação Ids 12232509, 12232530 e 12232445, que estão encartados no processo do 1º Grau, que instruiu o processo antes da decisão que apreciou e decidiu os Embargos Declaratórios, demonstram e comprovam, o integral atendimento aos requisitos e exigências do Tesouro Nacional.
Todas as questões relativas aos pressupostos para a pactuação foram rechaçadas e formalmente comprovadas nos aludidos IDs.
Sobreleva ressaltar que os documentos acostados pelo Agravado expondo o seu atendimento aos pressupostos necessários à celebração dos contratos de aditivos, nos moldes estabelecidos pelo Tesouro Nacional não foram impugnados; também não aponta quais os documentos faltosos.
Ante a ausência de impugnação aos referidos documentos e comprovantes, prevalece a presunção de legitimidade e regularidade, conforme preceitua a norma processual.
Também não é rechaçado os esclarecimentos e argumentos exposto pelo Agravado, o que torna o Agravante reconhecer as suas procedências.
O exame da vasta documentação expõe com clareza a inteireza do atendimento as condições necessárias para autorizar a celebração dos mencionados contratos aditivos, e não há amparo legal condicioná-los a imposição da execução de outros contratos de prestação de serviços, cuja responsabilidade não se encontra definida por manifestação judicial. E se fosse, não autorizaria a essa premissa.
De modo que, confrontando o alegado no instrumento com a documentação acima identificada, evidencia-se uma indução distante da realidade dos fatos comprovados que poderia incorrer em equívoco no deslinde deste processo.
Depreende-se, também, que o Agravante deveria ter agido nos moldes previstos pelo inciso I, do art. 77 do Código de Processo Civil, para assim, não incorrer em atitude temerária.
Diante de tudo que foi exposto, referente à ordem judicial para obrigar o banco demandado a assinar os contratos aditivos, não se vislumbra a probabilidade do bom direito e nem o risco de dano de difícil reparação, até porque, os atos acobertados pelo manto judicial não reveste conduta ilegal aos agentes destinatários porquanto é direito fundamento o acesso à Justiça que não exclui nenhuma lesão ou ameaça a direito.
Já no que se refere ao pedido subsidiário, qual seja, a revogação da multa diária arbitrada, ao argumento de que é exorbitante e desproporcional, entendo que o valor arbitrado na instância primeva enseja o enriquecimento sem causa do Estado, se mostrando desproporcional à própria prestação imposta, de modo que há probabilidade de provimento do recurso nesta parte.
De forma que, mesmo sendo o valor dos aditivos em torno de R$ 149.000.000,00 (cento e quarenta e nove milhões de reais), o valor da multa cominatória deve guardar correspondência na sua proporcionalidade acessória.
Isto posto, com fulcro no artigo 995 do NCPC e, registrando que a não concessão de pedido liminar não implica, necessariamente, na antecipação do julgamento, vez que a decisão poderá ser novamente reformada, INDEFIRO o pedido de efeito suspensivo ao recurso, mas DEFIRO, em parte, a antecipação dos efeitos da tutela recursal, tão somente para reduzir o valor da multa diária para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) que ficará limitada ao valor máximo de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)
Por derradeiro, verifica-se que a decisão judicial proferida em data de 5 de janeiro do corrente ano (ID 12022677), mas ainda não foi cumprida de forma manifesta, ante a ausência de recurso com efeito suspensivo, circunstância que retrata uma conduta supostamente ilícita com reflexos no campo penal e político-administrativo, visto que o agente destinatário é representante legal de entidade integrante da administração pública indireta.
Diante desse cenário, com a base no art. 40 do Código de Processo Penal1, e do art. 7º da Lei nº 7.347/852, extraia-se cópias de peças deste processo (todas as petições, decisões e intimações) remetendo-as para o representante do Ministério Público.
Ademais, o prestígio e a credibilidade do Poder Judiciário se faz com o respeito às suas decisões.
Comunique-se o inteiro teor desta decisão a M.M. Juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos termos do que preceitua o art. 1.019, I, do NCPC.
Intime-se a parte agravada para apresentar contrarrazões ao recurso, facultando-lhe juntar a documentação que entender necessária ao julgamento do recurso (art. 1.019, II, do NCPC).
Em seguida, voltem-se os autos conclusos.
Publique-se. Intimem-se.
João Pessoa, 30 de janeiro de 2018.
Aluízio Bezerra Filho
Juiz Convocado – Relator
Fonte: Redação
Créditos: Polêmica Paraíba