Ao todo, 40 afirmaram terem sido vítimas de abusos, e dez levaram o caso à Justiça. O Ministério Público de São Paulo está investigando as denúncias.
Há quase dois anos, o técnico de ginástica artística Fernando de Carvalho Lopes foi desligado da seleção brasileira por causa de uma denúncia de abuso sexual por parte dos pais de um menino menor de idade treinado por ele num clube de São Paulo. Ontem, reportagem do “Fantástico”, da Rede Globo, mostrou que ele não foi o único, e deu voz a alguns atletas e ex-atletas que, depois de anos, tiveram coragem de revelar os crimes.
Ao todo, 40 afirmaram terem sido vítimas de abusos, e dez levaram o caso à Justiça. O Ministério Público de São Paulo está investigando as denúncias.
Todos acusam o treinador de aproveitar a pouca idade deles e a falta de conhecimento dos processos do treinamento para tocá-los insistentemente. O único a falar abertamente sobre o assunto foi Petrix Barbosa, campeão pan-americano por equipes em 2011, em Guadalajara, no México, que pela primeira vez contou sua história. Ele foi um dos inúmeros atletas formados por Fernando, que trabalha há 20 anos com atletas de base, todos homens, no Clube Mesc, em São Bernardo do Campo.
— Fernando foi meu primeiro técnico, o Mesc foi meu primeiro clube, onde comecei a ginástica — conta o atleta, que não apagou da memória as piores lembranças daquele tempo. — Essa pressão psicológica num moleque de 10, 11 anos… Banho junto, me espiar… Já acordei com ele, não sei quantas vezes, com a mão dentro da minha calça.
‘PEDIA PARA ME MASTURBAR’
Hoje, Petrix treina nos Estados Unidos. Dos 6 aos 13 anos, ficou no clube sob o comando do técnico. Saiu por não suportar mais os abusos, que aconteciam no banheiro, nos treinos físicos e até mesmo fora do ginásio. O medo e a vergonha, no entanto, o impediram de contar à família.
— Ele sempre perguntava como estava o nosso desenvolvimento. Ele precisava acompanhar o nosso crescimento para poder mudar o treino. E ele pedia para mostrar o pênis — relembra o ginasta, que se emocionou. — Eu sempre tentei proteger a minha família de saber, o quanto ele tentava se aproximar, encostar… Eu nunca vou querer decepcioná-los ou preocupá-los por nada.
Por quatro meses, a reportagem ouviu mais de 80 pessoas, entre atletas, família e dirigentes. Os depoimentos são parecidos.
— Ele pedia para me masturbar e ejacular na frente dele — diz um ex-atleta que pediu para não se identificar.
Entre os entrevistados estão os pais responsáveis pela primeira denúncia, às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. O menino, então com 13 anos, contou tudo à família. Ele treinava no Mesc desde os 9.
Eles contaram que Fernando de Carvalho tocava nos órgãos genitais do filho.
—Ele apalpava. Toda hora era mão nas nádegas do menino — diz o pai, que também não quis ser identificado.
Depois disso, o garoto desistiu do esporte.
— O moleque é megatalentoso. Tinha futuro. Só que cortou… Cortou o sonho — diz a mãe.
As vítimas, algumas de casos de mais de 10 anos, afirmam que as suspeitas eram de conhecimento de outros técnicos ou responsáveis pelo clube. Um dos atletas contou que avisou a psicóloga do Mesc, Thais Coppini, que sofria abusos. Mas nada era feito:
— Você já ficava tipo: “Ela tá aqui pra me ajudar ou ajudar ele?” Porque ela sempre o livrava do que ele fazia.
A psicóloga disse que nunca ouviu denúncias de abuso ou assédio sexual.
Supervisora de ginástica da prefeitura de São Bernardo — o Mesc é particular mas recebe verba do município —, Ivonete Fagundes disse que nunca desconfiou de alguma conduta errada do treinador. Mas afirma que ouvia os meninos brincarem com o assunto:
— Eles brincavam que ele era pedófilo, mas nunca dei atenção. Eles falavam rindo.
Alguns migraram para o São Caetano do Sul, em 2005, onde um dos técnicos era Marcos Goto, treinador de Arthur Zanetti e coordenador da seleção brasileira. Os ginastas dizem que ele fazia piada sobre os assédios.
— Ele sabia de tudo. Ele zoava a gente: “Não consegue fazer barra aqui. Vou te levar pra sauna, pra ver se você consegue”.
O técnico não quis se manifestar. A Confederação Brasileira de Ginástica afirma que jamais teve notícia desses fatos, e que teria encaminhado para as autoridades. O Comitê Olímpico Brasileiro diz que não aceita nenhum caso de abuso ou discriminação.
Fernando Lopes, por telefone, negou as acusações.
— Acho que eu tive o problema de muitas vezes misturar, achar que era mais do um técnico. Isso talvez tenha dado uma margem de interpretação errada. Eu tenho minha consciência limpa: nunca estuprei, nunca molestei ninguém da forma como está sendo colocado.
Fonte: Click PB
Créditos: Click PB