por imagens de satélite

Estudo aponta que óleo que afeta o Nordeste pode vir de poço em alto-mar

Com base em imagens de satélite, pesquisador identificou grande mancha no sul da Bahia, compatível com vazamento de petróleo abaixo da superfície do mar

 
Voluntária remove óleo da praia Pedra do Sal, na BahiaVoluntária remove óleo da praia Pedra do Sal, na Bahia

Há semanas atrás de alguma pista que pudesse indicar a origem das misteriosas manchas de óleo que vêm atingindo praias do Nordeste desde o fim de agosto, o pesquisador Humberto Barbosa, do  Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), busca respostas em imagens de satélite.

Segundo o pesquisador, é sabido pela comunidade científica que o satélite europeu Sentinel 1-A é capaz de detectar derramamento de petróleo – e foi nele que o cientista apostou.

Imagens captadas no sul da Bahia mostraram, pela primeira vez, uma faixa da mancha de óleo ainda não fragmentada ou carregada pelas correntezas. Com cerca de 55 km de extensão e 6 km de largura, a uma distância de 54 km da costa, a mancha está numa região de intensa exploração de petróleo.

Em entrevista à DW Brasil, Barbosa explica o trabalho de análise científico e como chegou à hipótese de que a origem do petróleo que contamina praias há cerca de dois meses possa ser um poço de petróleo. A Marinha contestou o estudo.

DW Brasil: Como foi o processo de pesquisa com as imagens de satélite para se chegar à possível origem da mancha de petróleo? Dizia-se, até então, que imagens de satélite não eram suficientes para essa tarefa.

Humberto Barbosa: Primeiro eu tentei responder a uma grande pergunta: se a imagem a partir desse satélite europeu, de microondas, tecnologia SAR (radar que capta imagens, em qualquer horário do dia e da noite, mesmo em áreas cobertas de nuvens, tanto na superfície terrestre quanto marítima) consegue detectar manchas a partir de uma certa área. Eu já estava identificando várias manchas sempre com esse satélite, Sentinel, e não entendia por que o governo brasileiro não estava utilizando essas mesmas informações.

Houve um acordo da câmara setorial entre Brasil e Europa há três anos para fazer o uso dessas imagens. Estive na Alemanha e tive contato com outros grupos que já estavam com os dados bem encaminhados, e os dados do Sentinel seriam usados pelo Brasil. Todo mundo sabe que a melhor imagem seria a do Sentinel. Já há experiências na Ásia, no Pacífico, Oriente Médio que mostram que essas imagens têm capacidade de detectar derramamento de óleo.

Sessenta dias passados (da contaminação nas praias do Nordeste), o que a gente mais escutava dos órgãos governamentais é que as imagens de satélite não tinham capacidade para fazer detecção, que as manchas estavam na subsuperfície. A gente aqui já tinha essa resposta de que era possível.

A segunda pergunta era: qual era a origem disso tudo. Eu analisei segmento por segmento da imagem em toda a costa do Nordeste durante dois meses para encontrar um padrão que pudesse dar uma pista.

Na última segunda-feira, processei alguns dados, montando o quebra-cabeça, pois o satélite conseguiu pegar uma faixa privilegiada que ainda não havia sido mapeada. Consegui, com ajuda de pessoas que estavam em campo, validar algumas informações de manchas que o satélite mostrava.

Quando vi a imagem do sul da Bahia, eu vi a imagem de um fluido com resposta totalmente diferenciada da água onde ele estava menos dominante, ou seja, aquele corpo não pertence àquela água. Analisei se poderia ser um ruído do satélite, o que não se confirmou. Também pesquisei se teria havido algum abalo sísmico na região, o que não ocorreu, segundo os dados da USP (Universidade de São Paulo). Também chequei se haveria algum tipo de topografia do oceano que poderia interferir, o que não era o caso.

E como chegaram à conclusão de que poderia vir de um poço de petróleo?

Já tínhamos experiência com poços de perfuração, da altimetria, analisando teses de perfuração de poços. A Agência Nacional de Petróleo disponibiliza as informações da localização dos poços. Na região próxima de onde identificamos a mancha, na faixa de Porto Seguro, há intensa exploração [de petróleo], e nos últimos anos o pré-sal passou a fazer parte disso.

Comecei a olhar o padrão da imagem de satélite, busquei o que poderia estar interferindo. Eu tive a impressão de que aquele mancha me revelaria algo. O que ela tem em particular é a integração que ela mantém, embora ela tenha área que foi rompida. Nessa linha onde ela foi rompida você pode ver que um navio pode ter atravessado e ter rompido a mancha. É um navio que, junto com outros dois, está num posicionamento que não é um posicionamento geográfico normal de cruzamento de navios.

A Marinha informou que posicionou três navios no sul da costa da Bahia, porque em Abrolhos tem aparecido algumas manchas, e o satélite pega três navios muito perto das manchas.

Lembrando que 30 de agosto foi quando a primeira mancha encontrada, no litoral da Paraíba. A gente já está passando de sessenta dias. A quantidade de óleo que está derramando não pode mais ser apenas atribuída a um navio isolado.

O ponto extremo da mancha era o mais localizado e mais intenso, que me dava a percepção de que um fluido de densidade diferente está brotando em cima de uma superfície e poderia estar jorrando debaixo do oceano pra cima. Foi então que os poços de petróleo começaram a ser uma hipótese.

E como é possível diferenciar, com a imagem de satélite, a mancha que seria a origem do derramamento das outras que aparecem sobre o oceano? Quais são os elementos que permitem fazer essa separação?

Há uma terceira imagem que ainda não colocamos no site, embora ela já tenha sido registrada pelo satélite, e que pode ser acessada e processada por qualquer pessoa credenciada. Quando vi a mancha, fui em busca de imagens retroativas no sul da Bahia com olhar mais crítico.

Então, peguei um segmento mais afastado, no alto-mar, onde a imagem mostra a resposta de três fluidos. Um é dominante, que é a água do mar, diferenciada pelos ventos, pelas correntes, então torna o fluido da água do mar dominante na cena. O segundo é um fluido mais fino. O terceiro é estático, mais denso, podendo ser até do mesmo material do segundo fluido identificado, mas com densidade diferente.

A gente vê, nesse segundo fluido, como se fosse um balé “dançando” nessa água, com ventos arrastando. O terceiro fluido estava estático, muito mais pesado. Aí a gente precisa de muito mais informações da área, da região, a gente precisa coletar amostras para que possamos ser mais assertivos.

Isso quer dizer que esse pode ser o local de um vazamento de petróleo?

É um quebra-cabeça. Alguma coisa está acontecendo ali no sul da Bahia, isso é fato. É um padrão que não é simples de entender.

Embora não seja o nosso foco, estendi a nossa área de observação para o sul do Espírito Santo, onde encontrei uma mancha que não está associada às manchas do Nordeste, mas que tem a configuração de um fluido que não é água e não é ruído de satélite.

E tem uma quarta questão que são as informações meteorológicas. Essa região estava sob influência de correntes de ventos intensos no alto-mar que são dominantes nessa época. Isso provoca ressaca e foi determinante também para o transporte (do petróleo para as praias).

É difícil identificar a origem, porque as manchas se quebram. Mas, pela primeira vez nesta semana, encontramos um pedaço, um sinal e um padrão de fluido que não era água, onde algum navio cruzou provavelmente.

O senhor chegou a ser acionado pelo governo para ajudar no trabalho científico de identificação da origem do petróleo?

Não. Havia muitas questões que eu, como cidadão, não estava convencido. Já estava preocupado com o encaminhamento que foi dado no auge das queimadas na Amazônia, já que a gente também tinha um projeto de monitoramento. Sobre o petróleo no Nordeste, buscamos uma resposta para acalmar toda essa inquietação da própria sociedade, que acreditava que a gente não tinha ferramenta para encontrar uma resposta. Mas temos!

A imagem de satélite é um ferramenta mais fácil e disponível hoje, com custos razoavelmente baixos para que a resposta de ação a um desastre pudesse estar sendo tratado de uma forma muito mais ágil.

Escrevi ao Senado, fizemos um contato e devo enviar mais informações. Nas próximas semanas deve haver alguma reunião. Gostaria que outros cientistas fizessem também uma análise mais detalhada, que criticassem e pudessem cooperar com nosso trabalho.

Fonte: DW Brasil
Créditos: Nádia Pontes