Está plantada a semente de revoltas maiores

Gilvan Freire

VIDENTECEGO – Por enquanto, as manifestações estudantis que pipocam pelo país a dentro, a partir de São Paulo, estão menos tensas. Neste momento, decrescendo em volume, podem está morrendo aos poucos. Falta clareza quando as bandeiras da luta, e a forma predominante pacífica, sem objetivos mais amplos, vai esgotando o movimento. Na democracia, o que não ameaça não convence nem impõe medo.

VIDENTECEGO – De fato, ao que parece, as manifestações teriam como alvo, em princípio, os transportes coletivos, sua qualidade e seus preços, mas logo ficou claro que os manifestantes tinham outros objetivos na cabeça, entre as quais o de combater a má gestão pública generalizada e a corrupção, duas irmãs gêmeas que se alimentam do mingau do povo. Foi a partir desses primeiros sinais de transbordamento do furor dos manifestantes que as coisas se complicaram, e começaram a surgir as evidências de que o alvo certo eram mesmo os poderes instituídos e seus templos suntuosos – aqueles prédios monumentais que abrigam os granfinos mais caros e mais ineficientes do Brasil, os agentes e gestores públicos, quase cem por cento metidos em atos de vandalismo ocultos contra os cofres da nação.

VIDENTECEGO – A elite dominante do país, composta dos mandatários de todos os poderes e das correntes econômicas que prosperam à sombra de conluios com as autoridades e instituições do Estado, misturando interesses públicos e negócios privados e garantindo impunidade aos criminosos de colarinho branco, disfarçou que entendeu o recado dos revoltosos, e achou bom que o protesto se limitasse apenas a questão dos transportes coletivos, uma crise que se resolve rápido com a diminuição do preço das passagens.

VIDENTECEGO – O recado geral dos protestos, por causa da astúcia das autoridades em elogiar o caráter ordeiro dos movimentos e confiná-lo publicamente aos aspectos do transporte de massas e ao passe livre, evita que os outros aspectos mais duros da revolta venham à tona, como o combate à corrupção e a incapacidade e o autoritarismo dos governantes, que nunca reservam tempo para ouvir os administrados.

VIDENTECEGO – É por isso que é preciso entender esse instante de ebulição social como um começo apenas do que pode acontecer de mais grave contra o setor público no Brasil, um aparato de entidades e poderes onerosos e suntuosos e esbanjadores que não devolve à população o que ela própria financia através dos impostos que paga.

VIDENTECEGO – Um pequeno incidente – uma morte no campo de batalha, um discurso mais inflamado, uma divisão nos agrupamentos que estão na rua, ou uma guinada para atacar explicitamente à corrupção e a manipulação eleitoral dos segmentos pobres do país – poderá mudar os rumos dos acontecimentos. Por hora, estamos em cima de um barrio de pólvora com muita gente acendendo cigarro no derredor, mas o pior está por vir. Melhor dizendo, o melhor ainda está raiando como o Sol das manhãs. Se não for assim, Rubéns Nóbrega, é porque o Vidente Cego nem tem olhos nem ouvidos – nem ver o que está acontecendo e nem ouve o verdadeiro sentido de tanta gente está florindo as praças.

VIDENTECEGO – A questão das passagens está morrendo à toa. As ruas estão sendo esvaziadas, mas as questões maiores que os protestantes não souberam sustentar, com medo de virar tudo uma baderna, ficam como um grito reprimido dentro de cada brasileiro, porque baderneiros mesmo são os que dilapidam o Erário, e não os manifestantes. A semente da luta maior está semeada bem.