A frase é da vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, que fez um desabafo em defesa da reformulação do atual sistema que rege o Poder Judiciário.
Durante sessão de julgamento do CNJ realizada na manhã desta sexta-feira (12), em que substituiu o ministro Ricardo Lewandowski na presidência, a ministra questionou o problema da morosidade processual, que há décadas é discutido, mas cuja situação apenas tem se agravado.
Para ela, apesar de todos se manifestarem pela redução do congestionamento processual, existe no Brasil uma “cultura do litígio e de recorrer a todo custo” que não permite avanços neste tópico.
“No futebol, quando o time de quem assiste está ganhando, a pessoa quer que acabe logo, que o juiz encerre o jogo. Já quando o time está perdendo, quer que o juiz prorrogue o máximo possível. Na ação judicial, é a mesma coisa. Quem está ganhando quer que acabe logo, já quem perde fica prorrogando com recursos até onde consegue”, disse a ministra.
Para Carmem Lúcia, o acúmulo processual é um “problema grave” que só conseguirá ser resolvido se todo o sistema judiciário for repensado.
“Somos todos metade vítimas, metade culpados. Temos que analisar os dados que possuímos e reavaliar tudo: Judiciário, Ministério Público e Advocacia. Nem tudo é culpa do juiz, e essa não é uma questão apenas do Judiciário, mas da sociedade brasileira como um todo”, pontuou.
Este “mar de processos”, conforme a ministra, tem provocado efeitos negativos na qualidade de vida e de atuação dos magistrados, incluindo ela própria.
“Eu não durmo em paz desde que tomei posse na magistratura. Dormia como advogada, porque eu entregava a petição ao juiz e estava feito. Agora não, eu nunca estou em dia, não tem como estar. Nesses nove anos eu não sei o que é isso”, desabafou.
A ministra também defendeu uma reformulação da didática e do conteúdo usado atualmente pelas faculdades de Direito, que formam os profissionais desta área.
“Em pleno século XXI, estamos formando bacharéis em Direito com métodos e uma grade curricular do final do século XVIII. É preciso que o CNJ faça sugestões para que haja mudanças nos currículos das faculdades de direito”, apontou.
Metas do CNJ
O próprio CNJ não foi poupado das críticas de Carmem Lúcia. Ela afirmou que as metas do órgão precisam ser fixadas de forma que não prejudiquem a qualidade da prestação de serviços dos tribunais.
“Será que o que o Brasil quer é juiz carimbador, que vai cumprir metas? Como magistrada e cidadã não aceito isso. Como vou ler o processo, o memorial, com a celeridade que se deseja? Fixar metas não é aprisionar o juiz, porque o juiz prisioneiro não prestará o serviço que a parte demanda nem que a sociedade merece. Temos que julgar para que o cidadão, a cidadã, a dona Maria, lá do morro, saiba que eu li o processo dela”, criticou.
Um exemplo dado pela ministra foi uma situação em que um processo urgente demorou para ser julgado em razão das metas do conselho.
“Liguei para um presidente de Tribunal de Justiça para perguntar por que uma ação penal não havia sido julgada, que era referente a um réu que estava preso há cinco anos. Ele disse que o processo era de 2012, e eles estavam focados nos processos de 2011 por causa das metas do CNJ. Imagine como fica a situação deste preso”, ressaltou.