Polêmicas
Espírito e Consciência de Geração
Eilzo Matos
Em certos momentos, procuro na memória a minha cidade de nascimento, de minha infância e adolescência, e, também da vida adulta, numa tentativa incoerente ou paradoxal para revivê-la. Impossível encontrá-la. Em primeiro lugar, mudaram ou desa-pareceram as pessoas; as ruas e praças sofreram alterações arquitetônicas profundas e quase não as reconheço. Ainda lembro do chicote estalando no lombo da tropa de jumentos que trans-portava areia, barro e tijolo para construção do palacete do pro-motor público e poeta João Bernardo. Um orgulho para os sou-senses. Resistiu 60 anos e foi engolida, demolida pela especulação imobiliária.
Chega a saudade, a lembrança de gente e fatos entrevistos, acontecimentos ligados à toda comunidade – as famílias e as festas tradicionais, os eventos cívicos reunindo todos, a minha geração principalmente. Não busco o velho, o passado, mas aquele sentimento de alegria por estarmos ali, o que Gilberto Freyre chama “espírito ou consciência de geração”.
“Eu cheguei a amar Nuremberg por causa de seus arcos”, escreveu num artigo dessa época. Mas os arcos medievais do Recife, única cidade brasileira a ostentá-los, ele não encontraria mais. O furor falsamente modernista derrubara tudo: arcos, igrejas antigas, sobrados coloniais, árvores acolhedoras. E fala no Recife do seu tempo, de sua geração. Por sua vez José Lins do Rego que ali viveu como estudante,assinala:
“Estávamos no Brasil de depois da guerra. O açúcar em Pernambuco em elevação, um governo novo abrindo avenidas, um higienista pondo problemas de saúde em foco, um prefeito medíocre borrando de feio a bela cidade do Capibaribe. O Recife em plena inflação de mau gosto.”
O fato determinante entre nós, para as transformações no panorama ubano e social da nossa cidade, que datam de algumas décadas atrás, é fruto atualmente do orgulho da facção governista do momento, na adoção de uma “política social” que cuida somente de estatísticas sobre crescimento disso e daquilo, sem atentar para o isso e aquilo que constroem e criam a nação o Estado: a ética e o trabalho.
E as reflexões gilbertianas dos anos trinta/quarenta, me fazem lembrar a Sousa do grande largo da Matriz dos Remédios com a Festa da Padroeira e as barracas Azul e Encarnado, as moças da cidade servindo como garçonetes; com a colonial Igrejinha, a pracinha de cimento com ficus-benjamim e o Coreto, a Rua estreita com o Sobradinho, a Prefeitura, a Rua das Princesas, o antigo subúrbio e sitio Gato Preto (onde eu nasci), hoje considerado bairro nobre da cidade.
Nada tenho contra as mudanças e transformações que acometem as cidades. São inevitáveis. Mas é preciso que guardem do passado, que sustenta o futuro, aquele “espírito e consciência de geração” que o motivou e construiu. Poucos na comunidade cultivam tal sentimento, entretanto o guardam no fundo da consciência, do coração de onde não desaparecem jamais. Retronarão num momento qualquer, despertado pelas circustâncias que caracterizam dias que viveram. E a tristeza aperta o peito de cada um, de todos.