Entraves à posse de Cássio

Rubens Nóbrega

Temo que a posse do recém-diplomado senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) não venha a ser tão automática assim quanto ele merece e desejam fervorosamente os seus milhares de admiradores e, muito mais, outro tanto de fanáticos seguidores. Pelo que li ontem no Regimento Interno do Senado, antes de mandar Wilson Santiago levantar da cadeira, limpar as gavetas e desocupar o gabinete, a Mesa da Casa terá, no mínimo, que permitir ampla defesa ao ainda senador do PMDB. E não o fará por apreço à figura de Santiago ou por conta do sempre propalado prestígio que ele teria junto ao presidente José Sarney, além de fortemente articulado com a cúpula do seu partido, que vem a ser o maior do Senado.

Ampla defesa é direito assegurado pela Constituição da República a qualquer cidadão ameaçado de perder suposto bem que tem como seu, bem que vai da liberdade a um eventual mandato eletivo de que seja detentor. Pois bem, dito isso, vejamos quais as situações de perda de mandato de senador previstas tanto na Constituição Federal como no Regimento Interno do Senado, que disciplina essa matéria no seu Capítulo VII (Das vagas).

No seu art. 32, inciso V, o Regimento prevê que uma das hipóteses de perda de mandato é “quando o decretar a Justiça Eleitoral”. Mas, adiante, sempre repetindo a Constituição, e ainda tratando da perda de mandato, diz o seguinte:

– § 3o Nos casos dos incisos III a V, a perda do mandato será declarada pela Mesa, de ofício ou mediante provocação de qualquer Senador, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (Const., art. 55, § 3o).

A partir desse ponto, o Regimento é omisso quanto aos procedimentos que deveriam assegurar o exercício da ampla defesa pelo senador em vias de perder o mandato por decisão da Justiça Eleitoral.

Passos possíveis

Para os demais casos (falta de decoro, faltar sem justificativa a um terço das sessões ordinárias deliberativas, sofrer condenação criminal em sentença definitiva etc.), o Regimento prevê os seguintes passos (que, por analogia, imagino que possam ser aplicados em favor de Wilson Santiago ou por ele usados):

1. a Mesa encaminha o caso à análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que terá até quinze dias para proferir um parecer pela procedência ou não da representação, conforme o parágrafo quarto do mesmo art. 32 do Regimento;

2. o parecer terá que ser publicado no Diário Oficial do Senado e, se for pela procedência da representação, levado ao plenário para deliberação;

3. admitida a representação pelo voto do plenário, o Presidente designará comissão composta de nove membros para instrução da matéria, porque assim manda o art. 33 do Regimento, que estabelece ainda:

• o ‘acusado’ terá o prazo de quinze dias úteis, prorrogáveis por igual período, para apresentar defesa escrita à comissão;

• com ou sem defesa, a comissão emitirá parecer por um projeto de resolução que determine a perda do mandato ou o arquivamento do processo;

• para falar sobre o parecer, será concedida ainda vista do processo ao ‘acusado’ pelo prazo de dez dias úteis.

Tem mais: o Regimento também permite ao ‘acusado’, pessoalmente ou através de procurador, assistir a todas as etapas e atos referentes ao seu processo, podendo solicitar diligências e tudo o mais o que interessar à sua defesa. E no final de tudo – se forem adotados os mesmos procedimentos para o caso de Wilson Santiago, é bom repisar – o projeto de resolução será submetido ao plenário, que decidirá no voto. Voto secreto, ‘prestenção!’. Em resumo, Wilson Santiago tem ao dispor do seu jus estribuchandi um intrincado percurso regimental que pode adiar a posse de Cássio Cunha Lima para 2012 ou pras calendas. Santiago pode, enfim, ganhar todo aquele tempo a mais no Senado e levar a decisão para depois do recesso de final e começo de ano. Ou não, diria o poeta Caetano.

Divindade total

Pelo que venho acompanhando desde que o Supremo determinou a diplomação e posse do senador mais votado da história da Paraíba, a veneração por Cássio alçou-o ao patamar das divindades. Daí, por conta disso, temendo a ira dos deuses, pode ser que Sarney e o resto da Mesa do Senado não ousem contrariar o homem e botem Santiago pra fora ligeiro, sem mais nem menos, sem essa história de ampla defesa e outros aborrecimentos do gênero. Pode ser que o próprio Santiago desista de tudo e entregue a rapadura sem mais uma lambida. Tudo pode em nome de Cássio. Digo isso porque na noite de segunda fiz o maior esforço para me manter acordado após as dez e assim poder acompanhar as entrevistas do senador Cássio às Conexões das TVs Arapuan e Máster, ambas de João Pessoa. Perdi Cássio na primeira Conexão, mas acabei ganhando um show de Marcelo Piancó no canal de John Gregory. Optei por ver, ouvir e rir das piadas do nosso imperdível humorista pelo resto da noite. Desisti de Cássio na Conexão de Alex Filho assim que sintonizei a Máster. Logo de entrada, ouvi um entrevistador perguntando ao entrevistado qual teria sido o “papel de Deus nessa história”. Pois é, a gente interessado no protagonista e vem um cara querer botar no meio a atuação de um figurante. Assim não dá…