Gilvan Freire
Não havendo mais grandes empresas estatais à venda, porque as mais ricas já foram alienadas pelo governo da República e pelos governos estaduais, na chamada ‘farra dos bois’, que não é aquela em que são judiados animais em Santa Catarina, mas aquela em que os pobres são consideradas boiadas em seus agrupamentos interioranos, sob regime de dominação política dos rincões, a bola da vez nas privatizações são agora os serviços essenciais do Estado em áreas que nunca se imaginou pudessem ser alienadas.
De fato, num país onde os pobres, que são a maioria da população, habitam territórios inóspitos e favelas metropolitanas, e onde a falta de educação, aliada a um ensino de paupérrima qualidade, retiram do povo a possibilidade de conquistar um mínimo de cidadania, considerar o grosso da população uma ‘boiada’ talvez não seja muito desproposital. Porque, de certo modo, o comportamento da sociedade diante da incapacidade do Estado e da incompetência dos governantes na resolução dos problemas mais ingentes da pobreza, como educação, saúde e segurança, é de uma passividade só comparável ao modus vivendi das manadas bovinas.
Na Paraíba, mesmo diante do massacre que RC promove contra os políticos, servidores públicos, organizações sociais e até os outros poderes constituídos, há um imobilismo vexatório. Ao que parece, somente a Câmara Municipal de João Pessoa, onde a posição é raquítica, embora aguerrida, tem capacidade de agir apoiada pelos movimentos sociais, os mesmos que construíram antes a escada por onde RC subiu ao governo e deles se despediu.
A SAÚDE É O FILÉ MIGNON À VENDA
Nas privatizações de algumas empresas brasileiras, primeiro o governo assumiu todos os seus passivos, muitos gerados pela má administração política e pela corrupção escancarada, e somente depois vendeu o filé limpado por preço de farinha. Já nas grandes rodovias, o governo cuidou de recapeá-las e depois privatizou, como RC vai fazer aqui na Paraíba, no próximo ano. Calma, porém, porque isso só vai acontecer depois que o governo recuperá-las com dinheiro público. Essa é a lógica ladina de um país onde o povo só se dar conta que foi furtado quando em seu próprio galinheiro estiver faltando galinha. Ou quando um salteador compulsivo como Collor não souber dividir a franga roubada com aqueles que podem salvá-lo ou protegê-lo em sua indústria de malversação de dinheiro público.
Em todos os Estados da Federação, a saúde pública é atividade-fim do governo que mais consome recursos, afora a educação que tem uma estrutura física monumental e exige volumosos recursos materiais e humanos, embora remunere muito mal os educadores. A saúde social é cara, porque os serviços profissionais da área são especializados e os prédios e utensílios são sofisticados e tem custo bastante elevado. É por isso também que os planos privados de saúde cobram de seus usuários preços estratosféricos, quase sempre abusivos.
Mas, por que os serviços públicos de saúde interessam à máfia das organizações sociais, se eles são deficientes e vivem em crise com a população?
A saúde pública interessa ao mercado privado porque tem dinheiro em larga escala, vindo de várias fontes certas, especialmente o SUS. Só o Hospital de Traumas (que não deve ser chamado mais de Humberto Lucena, um homem público honesto e respeitável), tem arrecadação garantida em torno de 5 milhões por mês, ou 60 milhões por ano. Além do mais, tem um prédio novo, amplo e moderno, provido de equipamentos e utensílios de última geração. Tem mais: tem clientela em excesso, que são todos aqueles que justificam faturamento perante o SUS e a Secretaria de Saúde do Estado (leia-se: Tesouro). Tem ainda servidores públicos custeados pelo Erário a cada mês.
COMO É CARO NÃO SER AMIGO DO REI
O dono de um hospital privado terá de construir seu prédio, comprar os móveis, utensílios e equipamentos caros, pagar seus empregados e pedir a Deus que mande os doentes que Ele não está conseguindo curar. E ainda corre o risco de quebrar. No governo de RC o Trauma está sendo passado inteiro, com dinheiro e tudo, para uma organização supostamente sem fins lucrativos, baseada fora da Paraíba, cujo gerente tem um prontuário criminal mais notável que o de médico. Só porque RC quer encurralar e desmoralizar os profissionais de saúde da Paraíba que não aceitam ser subjugados por quem acha que se elegeu rei pela via do voto.
No próximo artigo de sexta-feira à tarde, começaremos a análise jurídica do contrato e dos projetos de Lei que Ricardo e seu auxiliar Luciano Agra mandaram ao Poder Legislativo, Assembleia e Câmara, objetivando criar as condições legais para a privatização da saúde na Capital e no resto do Estado. Segundo os projetos, outras áreas poderão ser contempladas por essa boa ação entre pessoas estranhas que se amaram à primeira vista, como o ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ambiental, cultura e assistência social. Em todos esses setores o Estado e município tem grandes patrimônios e destinam grandes somas de recursos financeiros. Vai se ver, RC talvez só queira ficar mesmo com a arrecadação do Estado, porque é aí onde a manada toda tem de pagar para que haja a ‘farra dos bois’.