O miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, afirmou ter participado de um encontro no Rio em que um dos chefes do “Escritório do Crime” e um policial militar que trabalhou como assessor do político Domingos Inácio Brazão, discutiram, no entendimento dele, o assassinato da vereadora Marielle Franco.
As informações constam nos depoimentos prestados por Curicica à Polícia Federal e a procuradores da República, no presídio federal de Mossoró (RN). A PF e a PGR (Procuradoria-Geral da República) consideram Brazão o principal suspeito de ordenar o atentado que resultou na morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes.
“Domingos Inácio Brazão é, efetivamente, por outros dados e informações que dispomos, o principal suspeito de ser o autor intelectual dos crimes contra Marielle e Anderson”, lê-se no relatório da PF sobre o caso.
O encontro descrito por Curicica ocorreu no ano de 2017, no Mirante do Roncador, ponto turístico da zona oeste do Rio.
Além dele, estavam presentes o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, preso em janeiro por ser um dos chefes de uma milícia cujo braço armado é conhecido como Escritório do Crime; o subtenente da PM Antonio João Vieira Lázaro, que trabalhou como assessor de Brazão, quando este foi deputado estadual; e Hélio Paulo Ferreira, conhecido como o “Senhor das Armas”.
Na reunião, o major Ronald afirmou que “teriam que resolver um problema para o amigo do Tribunal de Contas”. Brazão é conselheiro afastado, por suspeita de corrupção, do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.
Curicica disse aos investigadores que, naquele momento, ele não teria entendido do que se tratava, “porém tempos depois associou que a fala poderia ser referente à morte da vereadora Marielle Franco”.
Ao ser preso em janeiro, o major Ronald ficou em silêncio quando ouviu a seguinte pergunta de uma das promotoras do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público do Rio de Janeiro: “O que você tem a dizer sobre o assassinato de Marielle?”.
Em depoimento à PF, o PM Antonio João Oliveira Lázaro negou que tivesse participado do encontro relatado por Curicica. Ele trabalhou como assessor de Brazão na função de motorista na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e fez seguranças para políticos da família durante campanhas.
Major Ronald e Domingos Brazão são defendidos pelo mesmo advogado: o criminalista Ubiratan Guedes. O UOL ligou e mandou email para o defensor para que ele comentasse as declarações de Curicica, mas até a publicação do texto não obteve resposta. Assim que enviada, ela será publicada.
O outro chefe do Escritório do Crime, ao lado de Major Ronald, é o ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido como Capitão Adriano. Ele está foragido desde janeiro. Os dois foram homenageados pelo então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) com honrarias na Alerj.
Recado para Freixo
Curicica chegou a ser apontado como um dos mandantes do crime por um falso testemunho de um membro de sua própria quadrilha, o PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha.
Em seus depoimentos, Curicica disse acreditar que o assassinato de Marielle Franco seria uma “espécie de recado” ao atual deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Marielle era melhor amiga e foi assessora de Freixo, antes de ser eleita vereadora pelo Rio.
Freixo ganhou notoriedade ao chefiar em 2008 a CPI das Milícias na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), quando 224 pessoas foram indiciadas. Desde então, recebe ameaças de morte e é protegido por uma escolta armada. Domingos Brazão foi um dos políticos citados por envolvimento com milicianos.
Para Curicica, que é chefe de um grupo paramilitar, Freixo seria o verdadeiro alvo, porém, como os assassinos achavam que “não poderiam mexer nele”, optaram por matar Marielle para enfraquecê-lo.
Os responsáveis pelo crime não imaginavam toda a repercussão que teria a morte da vereadoraOrlando Curicica, em depoimento à PF
Em dezembro do ano passado, nove meses depois das mortes de Marielle e Anderson, a Polícia Civil do Rio interceptou um plano para matar o deputado federal, durante um encontro com sindicalistas em Campo Grande, na zona oeste carioca, região historicamente dominada por milicianos.
Freixo tentou evitar ida de Brazão ao TCE-RJ
Deputado estadual no terceiro mandato, Domingos Brazão foi eleito para uma vaga no TCE-RJ no fim de abril de 2015.
Ao tomar posse do cargo, por exigência da lei, ele deixou o MDB, partido ao qual era filiado. A indicação foi apadrinhada pelo então presidente da Casa legislativa, Jorge Picciani (MDB). O único partido a se posicionar contra foi o PSOL, sigla de Marcelo Freixo e Marielle Franco.
Na época, Freixo ingressou com uma ação na Justiça do Rio para evitar, sem sucesso, a nomeação de Brazão.
Em novembro de 2017, outro membro da cúpula do MDB no Rio, o deputado estadual Edson Albertassi, estava prestes a ser nomeado para outra vaga no TCE-RJ. Freixo ingressou com outra ação e, dessa vez, a Justiça impediu a nomeação de Albertassi. Dias depois, ele seria preso no âmbito da Operação Cadeia Velha. Picciani e o deputado Paulo Melo também foram detidos.
Em junho passado, Freixo participou de uma reunião, a pedido de dois delegados da Polícia Civil do Rio, com integrantes do Ministério Público Federal para tratar de uma possível conexão de deputados do MDB com a morte de Marielle. O encontro foi revelado pela revista Veja.
Apontado como responsável pelos disparos que vitimaram Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, o PM aposentado Ronnie Lessa foi filiado ao MDB. Ele nega participação no crime.
Na terça-feira (17), em seu último dia à frente da PGR, Raquel Dodge denunciou Brazão e outras quatro pessoas ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) por atrapalharem as investigações sobre a morte de Marielle e de seu motorista Anderson Gomes.
Fonte: UOL
Créditos: UOL