Em tempo de shopping e povo livres

Gilvan Freire

É verdade que, em sua maior parte, Roberto Santiago precisou mais de seu talento comercial para fazer o Shopping Manaíra, e precisou menos do trânsito fácil com as estruturas políticas locais, que lhe garantiram um crescimento espantoso por cima de pau e pedra, inclusive passando por cima dos bons costumes públicos e das regras mínimas de respeito às leis de ordenamento urbano da Capital.

Não tivesse inspiração mercantil, ainda que tivesse de sobra capacidade de financiar licurgos das leis locais e outras autoridades moralmente frágeis, RS poderia ter conseguido financeiramente alguma coisa de notável, mas, sem talento comercial, não teria chegado onde chegou.

Isso, em vez de ser admirável, é preocupante, porque um jovem empresário capaz, não se contentando em vencer, quis ser, mais do que qualquer outra coisa, muito rico, e, além de muito rico, obstinou-se em ser poderoso também. Como se sabe, dinheiro e obsessão pelo poder fazem de um homem controlador e cheio de cobiças um homem propenso a tudo, inclusive ao mal.

Nos últimos tempos, a fim de manter suas fantasias financeiras obsessivas, RS cresceu pra todos os lados da alma cobiçadora: desrespeitou as leis ambientais, avançou seu Shopping sobre uma mata ciliar e um rio, praticou preços de locação extorsivos, mudou a legislação urbana para impedir a construção de shoppings concorrentes e, achando pouco, expandiu sua ação política predadora à Cabedelo, onde sempre houve um terreno fértil para fermentar a corrupção dos agentes públicos.

De rico e poderoso, RS passou a ser temido, porque a sua capacidade de aliciar pessoas e instituições chegou aos mais altos escalões do poder na Paraíba. Talvez não fosse a sua real natureza humana, mas a podridão dos que lhe serviram de forma vil a troco de dinheiro sujo e a vassalagem e o culto prestados à sua fortuna já estavam o induzindo ao papel Capo, o chefe de organização mafiosa. O garoto pop ‘que amava os Beatles e Rolling Stones’ e herdava do velho Divaldo Nóbrega o tino pelo empreendedorismo, estava crescendo e se perdendo, mas só percebia que estava prosperando, sem medir o abismo em que se atirava.

A rebordosa de Cabedelo, em que a população detonou o esconderijo da delinqüência política, é a primeira de uma série de lições que RS passa a ter a partir de agora, quando as amarras da promiscuidade se soltam e o homem poderoso e temido fica exposto e vulnerável à resistência de setores da sociedade. Nessas horas, os cúmplices da indecência ou fogem ou se escondem. São tempos de mudanças surpreendentes.

Roberto Santiago deve mergulhar para ser feliz. Deixará de gastar uma fábula para manter essa estrutura perversa de poder pecaminoso e só ganhará com essa economia. É algo mais de lucro. Mas ganha mais ainda voltando a ser o mago ágil dos anos 70 que tinha tempo para amar o rock, a vida e o mundo. Se insistir no erro RS vai descer a ladeira e sumir – e nem seus súditos pagos terão mais tempo para lhe dá atenção. A vida é assim: não há mal que não cesse, riqueza que não se dissipe e poder excessivo que não destrua seu dono. Divaldo, se vivo fosse, estaria agora mais tranqüilo com relação ao futuro do filho que amava mais do que ao resto do universo, e por quem foi mais amado do que o Shopping Manaíra, se isso já foi possível.