Ele, sim, era o cara

Rubens Nóbrega

Uma das coisas que lamento muito não ter feito por ele, com ele: inscrevê-lo no Guiness, o Livro dos Recordes, onde certamente seria definido como “o vivente que consegue passar a maior parte do tempo possível de bom humor, enquanto tenta, simultaneamente, contaminar com a sua alegria quem estiver por perto”.

Na mesma enciclopédia, dedicada às proezas humanas extraordinárias, ele bem poderia emprestar o nome a verbetes que identificassem o cara mais generoso do mundo, seguramente recordista de humildade, campeão de fraternidade, imbatível na simpatia, inigualável no bom caráter. Ele, realmente, era um sujeito incrível, único.

Inteligente e espirituoso como poucos, criava bordões engraçados aos borbotões. Se tivesse enveredado pela carreira de humorista, seria dos mais consagrados, reconhecidos, queridos. Ou poderia ter sido redator de programas ou séries do gênero, fazendo sucesso na tevê, tanto aqui como lá fora.

Suas tiradas, não importando se escrachadas ou aparentemente grotescas, faziam rir. Divertiam até mesmo as ‘vítimas’ circunstanciais de suas boutades e chistes. E as piadas, hem? Mesmo as mais batidas ganhavam uma graça inesperada graças ao jeito dele contar. Porque havia graça em praticamente tudo o que ele dizia, embora pouco houvesse de gracioso na sua vida prática, no seu cotidiano.

Trabalhava pra caramba, ganhava pouco. Jornalista profissional, texto enxuto, sem firulas, ocupou alguns postos de expressão nos jornais por onde passou. Foi repórter, redator, editor de esportes, colunista, secretário de Redação… Só não foi nem tentou ser estrela da nossa constelação de asteroides, onde você pode encontrar a olho nu alguns que se acham astros de primeira grandeza.

Ele não fazia o gênero nem arriscava fazer o tipo. Pelo contrário, talvez ficasse muito pouco à vontade no modelito galáctico provinciano, para ficar igual àquele povo que rala pouco e recebe muito porque não tem pejo nem medo de usar o espaço e a fama que tem para fazer dinheiro, nem sempre de forma ética e honesta.

Também não lhe foram concedidas sinecuras ou aspones, mesmo sendo ele servidor público estadual com eventual e facilitado acesso a figuras do poder que poderiam contemplá-lo com gordos contracheques, daquela espécie que não exige do portador sequer pregar um prego numa barra de sabão.

Se alguém lhe chamava para fazer assessoria de imprensa, ele fazia de verdade, alternando expedientes nas repartições para as quais era designado com jornadas por vezes extenuantes no fechamento de edições diárias dos nossos gloriosos matutinos.

Tudo isso para proporcionar conforto mínimo, segurança possível e garantia de um teto para a família chamar de seu. Um esforço de sobrevivência sem luxo, mas plena de dignidade, dividido e suportado com o salário pouco que a mulher apurava e ainda apura como Professora de Português em escolas do Estado e do município da Capital.

O táxi e o bode

Pra vocês terem uma ligeira ideia de quem era Toinho e do seu espírito brincalhão, além da sutileza e fina ironia com que tratava os circunstantes na maioria das ocasiões, basta contar aquela da radialista bonita que caiu de amores por sujeito que batia nela constantemente. Por coincidência, mas apenas por coincidência, o cara era agente de polícia e, mais do que isso, liderança entre os seus pares. Mas na vida privada botava pra quebrar, sobretudo os ossos daquela pobre menina que trabalhava no mesmo prédio onde funcionavam a rádio que lhe dera emprego e o jornal que nos empregava.

Pois bem, certo dia a moça baixou em nossa redação para telefonar e Toinho logo deu fé de um olho roxo, inchado. Não se fez de educado. Perguntou na lata sobre a razão de hematoma e inchaço. “Foi num táxi, ontem. O motorista freou de repente e eu meti a cara na capelinha (o taxímetro de antigamente)”, explicou ela.

Depois de ouvir história tão inverossímil, Toinho resolveu ir até lá fora fumar um cigarro. Ao passar pela portaria do jornal, deu de cara com a cara ansiosa do companheiro da coitada. “Toinho, dá pra tu voltar lá na redação e avisar a Fulana que o marido dela tá’qui querendo falar com ela”, pediu o porteiro. Solícito como sempre, nosso herói deu meia volta, foi até onde a moça estava e avisou: “Ei, Fulana, o porteiro mandou dizer que o teu táxi taí, na portaria, querendo falar contigo”.

***

Em nosso último contato, trinta ou quarenta dias atrás, Toinho ocupava um apartamento do Laureano. Respirava com alguma dificuldade, mas não parava de falar, de gracejar, de tirar onda… Passei quase uma hora de papo com ele, Comadre Célia (esposa) e o jornalista Emmanuel Noronha, que a gente chama de Mano e era de fato mano de Toinho. Na despedida, tentei animá-lo com a promessa de repetirmos um dos nossos programas prediletos: “Negão, vê se sai logo daqui que é pra gente voltar lá no Bar do Batente, tomar umazinha e comer um bode daqueles”. Ele, claro, não perdeu viagem: “Oxente, Rubião, na hora! Você arrumando quem segure o bicho…”.

De quem trato

Toinho, Antônio Hilberto de Carvalho, faleceu sexta (10) na UTI do Laureano. Sepultamos ele no dia seguinte, no Boa Sentença. Deixou viúva a Professora Célia e órfãs, as filhas Thaís e Tamara, além dos netos Vitor e Júlia, que ajudava a criar com amor e dedicação de pai. A eles, a minha solidariedade; a ele, a minha eterna saudade.