Polêmicas

Dilma Rousseff "em guerra"

Dilma

Vinicius Torres Freire

FOLHA DE S. PAULO

“GUERRA PSICOLÓGICA” era uma expressão estimada na ditadura militar. Foi de mau gosto extremo a presidente da República recorrer a esse linguajar em seu discurso de final de ano, transmitido anteontem por TV, rádio e internet.

Na ditadura, a expressão estava cuspida em papeluchos jurídicos que procuravam criar uma fantasia sinistra e cínica de legalidade, fantasia de resto inteiramente dispensável, pois vivia-se sob arbítrio absoluto.

A presidente sabe perfeitamente disso. Sabe mais que quase todos nós, pois experimentou esses horrores na carne e na alma.


“Guerra psicológica adversa”, além de jargão militar, era termo para tipificar o que os ditadores e seus capatazes consideravam “difamação do Brasil” ou a criação de “clima favorável à subversão”. Ou seja, para enquadrar qualquer um por qualquer motivo pelo crime de lesa-majestade dos caprichos ditatoriais, qualquer um que aparecesse com ideias insidiosas.

O termo estava lá no no Ato Institucional 14, baixado pela junta de 1969, emenda “constitucional” que instituiu pena de morte (“legal”) justamente para crimes como “guerra psicológica”, revolucionária ou subversiva.

Esses decretos sombrios formalizavam a mentalidade do “Brasil: Ame-o ou Deixe-o” (ou morra discordando), bordão inventado pelos publicitários do regime.

A expressão também aparecia na Lei de Segurança Nacional. Aparecia na boca das autoridades, em discursos e entrevistas.

No seu discurso, a presidente introduz o tema da “guerra psicológica” com o chavão autoritário da “crítica positiva” (temos de “buscar soluções, e não ampliar os problemas”) e o da crítica ao “pessimismo”, tema recorrente nesse terceiro ano de má política econômica.

A presidente não dá nome aos bois ou aos seus demônios, aos inimigos que travam essa guerra psicológica. Seguindo outra tradição autoritária, Dilma Rousseff menciona de passagem forças ocultas, “alguns setores”, que “instilam desconfiança, especialmente desconfiança injustificada”, a tal “guerra psicológica”, que pode prejudicar a versão presidencial do que seja o progresso do Brasil.

Sim, como era de esperar, a presidente diz que continua disposta a ouvir trabalhadores e empresários “em tudo que for importante para o Brasil”. Mas “apostar” no Brasil é o caminho mais rápido para todos saírem ganhando.

Sim, a presidente está disposta a ouvir, mas deixa claro que ela está do lado do Brasil. Divergências maiores, “pessimismos”, que parecem não estar no “lado brasileiro”, são um atraso.

Francamente, este jornalista acredita que Dilma esteja “do lado do Brasil” (em linguagem menos nacionalista, que esteja empenhada em diminuir o sofrimento das pessoas que vivem nesta terra). Mas ficou um tanto (mais) deprimido com o tom autoritário da presidente, com a falta de grandeza demonstrada em sua incapacidade de autocrítica e de diálogo com os “pessimistas”, na sua imodesta procura de bodes expiatórios, na falta de inspiração.

A “guerra psicológica” foi a cereja desse bolo azedo. É com pesar que a gente se pergunta o motivo de a presidente ter piorado ainda mais seus discursos assintáticos com essa mancha de péssima memória.