O médium João de Deus negou em depoimento neste domingo (16) qualquer tipo de culpa nos abusos sexuais dos quais é acusado e sua defesa tentou desqualificar as denunciantes. “Ele não admite [envolvimento]. Apresenta suas versões e cabe à polícia provar”, afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, que acompanhou a oitiva.
O médium falou por mais de duas horas a duas delegadas. Segundo Fernandes, ele respondeu a todas as perguntas e se recordou de alguns atendimentos feitos a mulheres que o denunciaram.
O suspeito disse que a regra era recebê-las coletivamente, e não em recintos individuais, como consta dos relatos de supostas vítimas.
O delegado espera concluir os inquéritos sobre violências relatadas por 15 mulheres em 15 dias, quando será tomada a decisão sobre eventuais indiciamentos. Por ora, os crimes em apuração são os de estupro e posse sexual mediante fraude (usar a fé para obter sexo).
Ele disse que a prisão poderá aumentar o número de denúncias. Além dos 15 casos sob análise da polícia, o Ministério Público recebeu mais de 300 relatos de abusos.
A previsão é também de que, após uma reunião com a Promotoria nesta segunda (17), para a troca de informações, mais inquéritos sejam abertos.
“Entendemos que, com a prisão, haverá o encorajamento de vítimas e isso pode levar a um aumento da procura”, declarou.
O advogado do médium, Alberto Toron, declarou após o depoimento que as denúncias precisam passar por um escrutínio calmo e que algumas das mulheres não têm credibilidade para acusar João de Deus.
Ele se referiu à holandesa Zehira Lieneke. “Essa holandesa, estou recebendo informações, com um dossiê, de que tem um passado nada recomendável, o que pode descredibilizar sua palavra. Era uma prostituta e tinha um passado de extorsão.”
Toron disse que terá de ser analisado com serenidade se as pessoas querem se aproveitar da situação para pedir dinheiro ao médium. “O fato de ter sido prostituta, por si só, não a descredibiliza, mas é preciso ver o contexto da vida dessa mulher para ver se ela tem crédito ou não. Isso não fizemos ainda”, acrescentou.
Questionado se seria jogo sujo desqualificar as vítimas, ele respondeu que “acusar falsamente alguém de crime grave” é que seria. “Ele [João de Deus] respondeu a todas as perguntas. De algumas mulheres, ele nem se lembrava”, disse, explicando que alguns atendimentos citados nas denúncias ocorreram há mais de dez anos.
Sobre a filha do médium, que o acusou de violentá-la, o advogado afirmou que ela já fez mais de um vídeo retirando as próprias acusações. “Fica difícil dizer o que acontece com ela. Tem histórico de internações.”
O advogado explicou que, no depoimento, João de Deus atribuiu a existência de centenas de denúncias a uma perseguição. “Ele acha que tem gente que o quer destruir.”
O médium não foi questionado sobre suas finanças, mas Toron negou neste que o médium tenha retirado R$ 35 milhões de suas contas bancárias.
“O dinheiro não foi sacado. Apenas ele baixou de aplicações, ou seja, não houve nenhuma movimentação. Não saiu do banco”, afirmou. “Ninguém saca R$ 30 milhões do banco. Ele simplesmente baixou suas aplicações para fazer frente a necessidades dele.”
A informação de que o médium retirou os recursos de suas contas foi publicada no sábado pelo jornal O Globo.
O Ministério Público de Goiás foi comunicado de movimentações atípicas nas contas dele pelo Coaf (Conselho de Atividades Financeiras). O relatório do órgão foi usado para embasar o pedido de prisão preventiva.
Toron refutou a suspeita de que o médium pretendia usar o dinheiro para fugir. “Isso cai por terra quando ele se apresenta. Importante dizer que ele não estava fora do estado, estava nas cercanias de Abadiânia.”
Ele pediu cautela para que não se repita o caso da Escola Base, em São Paulo, cujos dirigentes foram acusados de abusos sexuais contra crianças nos anos de 1990. Houve ampla cobertura jornalística das acusações, que não se comprovaram.
“Temos que entender que há uma complexidade nesses casos, que reclama o escrutínio.”
Nesta segunda (17), o advogado vai pedir que a prisão de seu cliente seja revogada ou, caso não tenha sucesso, que ela seja substituída pela detenção em regime domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de voltar ao trabalho.
João de Deus dividirá uma cela de 16 metros quadrados com mais três presos. Só poderá receber visitas, exceto de advogados, em 30 dias.
Fonte: Folha
Créditos: Folha