Dá para conciliar, sim!

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Nonato Guedes

Nada impediu que protestos de rua e Copa das Confederações convivessem, ainda que sob clima de tensão, no Brasil dos últimos tempos. A Seleção de Felipão conseguiu, inclusive, pôr a mão na taça cobiçada, apesar de todo o descrédito, dos vaticínios pessimistas dos analistas amadores de sempre. O doutor Ulysses Guimarães, referindo-se à política, dizia ser preciso ter inesgotável e santa paciência. Principalmente para ouvir os néscios que querem ensinar pai a fazer filho, reinventar a roda, redescobrir a lei da oferta e da procura, que têm ideias como os que têm filhos e os abandonam à porta da igreja para outros criarem. “É isto que dá enfarte ou úlcera no duodeno”, pontuava o cruzado da democracia e das liberdades públicas.

Ninguém pode dizer que foi surpreendido com a realização da Copa encerrada ontem. Estava no calendário, independente das manifestações contra o que está errado no país e precisa ser corrigido. Chamar de alienados os torcedores que vibraram pelo êxito da Seleção é muito tacanho e ultrapassado. A Copa das Confederações serviu, mesmo, como vitrine para dar eco aos protestos nas ruas e nas redes sociais. Os manifestantes, tomados de indignação legítima com a ausência de reformas, ganharam visibilidade para a mobilização deflagrada, e que deve continuar. Aliás, o Planalto tem consciência de que ela continuará. Como disse um ministro da presidente Dilma, “as manifestações vão nos acompanhar até 31 de dezembro de 2014. Vamos ter de trocar os quatro pneus com o carro em movimento”.
O país vem acumulando dívidas com a parcela que trabalha duro para educar os filhos e paga impostos que consomem mais de 150 dias de trabalho ao ano. Em troca, o que essa parcela recebe? Como lembra a revista VEJA, temos tolerado desabamentos e enchentes com data marcada e são cada vez mais banalizados os crimes bárbaros e as tragédias como o incêndio na boate Kiss. Fartos de tudo isso, foram à luta e passaram a ganhar de goleada. Nos protestos embutiu-se, também, o grito contra a corrupção, a saúva dos dias atuais. Mensaleiros condenados estão soltos e até escrevem em blogs livremente, posando de paladinos da moralidade, falando em orquestrações golpistas para desestabilizar o governo. O Supremo escolheu um deputado, Natan Donadon, como bode expiatório, para dar uma satisfação à opinião pública. Mas não completou sua parte naquilo que lhe cabia fazer.
Sim, temos que respeitar os prazos, os ritos, agora que nos reencontramos com a plenitude democrática. Convém lembrar, todavia, que os envolvidos na Ação Penal julgada no âmbito da Corte maior foram laureados, em pleno julgamento, com amplo direito de defesa, pagando advogados a peso de ouro para provar que são inocentes. Significa dizer que tiveram a prerrogativa do contraditório, e não poderia ser diferente, se a conjuntura sinaliza exatamente nessa direção. Consta que a presidente Dilma, quando se isolou na torre de marfim, carente das opiniões do seu oráculo, o ex-presidente Lula, que embarcou para mais um giro pela África bancado por amigos empresários, passou a ouvir apenas dois ministros: José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Aloízio Mercadante, da Educação. Os outros se limitam a participar de reuniões, sem saber como reagir, e nervosos a ponto de não conseguir esconder tiques recém-adquiridos. É um governo acuado, em busca de uma agenda e de campanhas publicitárias para enfrentar a crise. Ou, se quiserem, para dourar a pílula.
Dilma não está só nessa situação. Outros governantes, partidos variados, políticos com atuação no Legislativo, estão emparedados. Porque a revolta é generalizada, diante da longa omissão a que se atribuíram. Pularam da cadeira com apenas três semanas de protestos. Danaram-se a trabalhar como nunca. Desovaram a tal agenda positiva que dormia nos escaninhos “há séculos”. Mas é preciso reconhecer que brincaram demais com a paciência das ruas. Tivemos os escândalos do Enem, com vazamento de provas, cancelamentos, erros nas perguntas, falta de critério na correção das provas.
Tudo isso foi minando a confiança dos brasileiros nas autoridades num momento crucial para a vida dos filhos. O governo também prometeu que não colocaria um centavo do dinheiro público nas obras dos estádios da Copa. Colocou 6,4 bilhões. Com a Copa viriam estradas e aeroportos modernos. Nada disso ocorreu. E é esse descompasso entre promessa e realidade que atormenta a sociedade, que faz desaguar a torrente de protestos. Justos e merecidos. Como foi merecida a vitória da Seleção Brasileira contra a Espanha em pleno Maracanã.